FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

As elites contra uma Nação — A desigualdade como projeto

Pouco antes da transformação do Brasil em República um conjunto de leis foi editado com o objetivo de manter as desigualdades sociais presentes desde nossa fundação, visando a posteridade.

Estavam ali colocadas e pensadas as normas que iriam tornar a desigualdade de nascimento uma das marcas que nos acompanham história, uma covardia atroz.

A década de 1850 é o momento em que finalmente o tráfico de negros escravos para o Brasil foi suspenso. Com isso e para suprir a necessidade de mão de obra especialmente para a lavoura, foi pensado na possibilidade de se estimular a imigração de estrangeiros europeus para o país.

Na Europa, a coisa não andava boa. Milhões de italianos, espanhóis, portugueses, alemães migravam para o novo Mundo em busca de oportunidades. Neste contexto, o Brasil passou a ser uma opção para esse pessoal, que já chegava por aqui em condições melhores do que a dos escravos que em breve seriam postos para correr das fazendas, tão logo a escravidão fosse extinta —  o que se deu em 1888.

Abolida a escravidão no Brasil, os ex-escravos foram dispensados das fazendas em que viviam.

Os fazendeiros queriam se desvencilhar da carga que os ex-escravos poderiam se tornar e, ao mesmo tempo, receber uma indenização do governo para promover a soltura dos cativos. No final das contas, o governo imperial negou indenizar e, quando finalmente promoveu a abolição, o império caiu, e os negros ex-escravos não se tornaram o peso que eles rejeitaram.

Mas, para se bem compreender a desigualdade social brasileira é necessário focar na “Lei de Terras”, e não na “Eusébio de Queirós”.

Esta Lei, também de 1850, tinha como objetivo regularizar a propriedade da terra, especialmente nas regiões rurais. Na superfície ela estabelecia normas, como a obrigatoriedade do registro das terras e a concessão de títulos de propriedade. O seu espírito era outro.

Ao criar o conceito de “terras devolutas”, que se referia às terras consideradas não ocupadas, podendo as mesmas serem compradas ou concedidas pelo Estado, daria aos já enriquecidos o meio de se apossarem de mais terras, possibilitando a institucionalização do latifúndio no Brasil.

Esta norma veio, na realidade, concretizar a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, contribuindo e legitimando a desigualdade fundiária no país.

Muitos camponeses e comunidades foram afetados, já que não possuíam meios para comprovar a posse de suas terras e acabaram ou expulsos ou perdendo o acesso a recursos naturais. Essa lei estabelecia que somente poderia ser proprietário de terras no Brasil aqueles que herdaram títulos legais, ou seja, pessoas físicas ou jurídicas brasileiras.

Estabeleceu, assim, um mercado formal de terras, beneficiando grandes proprietários que já possuíam vastas extensões de terra, ou que delas tomaram posse ao terem mais facilidade em ‘apresentar títulos’ que comprovavam a propriedade.

E, embora a Lei de Terras tenha beneficiado principalmente os grandes proprietários rurais e contribuído para a formação de um mercado de terras formal, ela não foi diretamente benéfica para a maioria dos imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no final do século XIX, ao menos num primeiro momento.

No entanto, políticas de colonização e iniciativas locais em algumas regiões do país proporcionaram certas oportunidades de acesso à terra para esses imigrantes, ainda que de forma limitada e desigual. Mas, nenhuma colônia de alocação de negros foi incentivada pelo governo.

O governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes europeus, oferecendo-lhes, enfim, a possibilidade de adquirir terras para cultivar.

Essa política tinha como objetivo suprir a demanda por mão de obra nas lavouras, substituindo o trabalho escravo que estava em declínio na época. Além disso, o governo buscava promover o povoamento e o desenvolvimento econômico do país por meio da colonização agrícola.

Os imigrantes europeus trouxeram suas culturas, conhecimentos agrícolas e emoções para a diversidade étnica e cultural do Brasil. Eles se estabeleceram principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país, dedicando-se à agricultura, à pecuária e outras atividades rurais, mas muitos também se fixaram na cidade, fazendo evoluir metrópoles como São Paulo, por exemplo.

Apesar da Lei de Terras de 1850 ter inicialmente dificultado o acesso à terra para imigrantes europeus, políticas governamentais de incentivo à imigração e colonização no final do século XIX e início do século XX acabaram por facilitar esse acesso.

Assim, os imigrantes europeus começaram a poder comprar terras no Brasil de forma mais significativa a partir da última década do século XIX, com um aumento substancial nas décadas seguintes devido às políticas de colonização dirigidas e incentivos governamentais.

Aos poucos, os imigrantes foram adquirido as terras em que laboravam, criando colônias que se transformaram em cidades. Esta é a origem de muitas cidades, em especial no Rio Grande do Sul.

A Lei de Terras e a vinda dos imigrantes tiveram impactos influenciados na formação social e econômica do Brasil. Contribuíram para o desenvolvimento da agricultura, a diversificação das atividades vividas e a transformação das paisagens rurais. Além disso, influenciaram a composição étnica da população brasileira, tornando o país multicultural e plural.

O Morro da Providência, no Rio, é tido como a primeira favela brasileira.

Mas, por outro lado, acabou por negar aos negros qualquer possibilidade de se estabelecerem socialmente. Foram relegados ao esquecimento. Abandonados à própria sorte, sem trabalho, sem instrução e, sem qualquer assistência, passaram a ocupar os piores lugares da esfera social. Para eles, criou-se as favelas.

A Diáspora Europeia

No final do século XIX, a Europa estava imersa em profundas transformações. A Revolução Industrial, aliada a crises econômicas, perseguições políticas e religiosas, impulsionou uma massiva diáspora de europeus mundo afora. Entre as terras que se ofereciam a recebê-los, o Brasil, então sob o reinado de Dom Pedro II, surgiu como destino promissor. E, mesmo após a queda do sistema, o Brasil continuou a ser um destino atrativo.

Os europeus, aos milhões, migravam para a América. Brasil, Argentina e Estados Unidos se configuraram os principais destinos de uma gente que buscava novas oportunidades de vida.

A chegada dos imigrantes europeus ao Brasil foi marcada por expectativas e desafios. Muitos buscavam escapar da pobreza e da opressão, atraídos pelas promessas de terra e liberdade. O governo brasileiro, por sua vez, via na imigração uma oportunidade para “branquear” a população e desenvolver a economia agrária, especialmente após a abolição da escravidão.

Os imigrantes tiveram um impacto profundo na sociedade brasileira. Eles trouxeram consigo habilidades, tradições culturais e uma ética de trabalho que contribuíram significativamente para o desenvolvimento econômico do país. As colônias europeias, estabelecidas em várias regiões, tornaram-se centros de progresso agrícola e industrial.

Contudo, a influência desses imigrantes não se limitou à economia. Eles também desempenharam um papel crucial na transformação do cenário político brasileiro. A presença de ideias liberais e republicanas, comuns entre muitos imigrantes, alimentou o descontentamento com a monarquia.

Essa conjuntura contribuiu para o enfraquecimento do regime monárquico e fortaleceu os ideais republicanos que culminaram na Proclamação da República em 1889.

O governo brasileiro, ao fazer a opção pelo imigrante europeu nada mais fazia do seguir uma tendência ideológica que entendia que o europeu era o povo mais civilizado do mundo e que os demais povos deveriam se mirar na cultura deles para se desenvolverem e assim atingir um estágio evoluído.

Milhões de imigrantes europeus desembarcaram no Brasil entre o final do séc. XIX e início do XX.

Foi neste contexto que o Brasil fez a opção para chamar o europeu e deixar o africano que para cá havia sido trazido à força, de lado. Como o silvícola nacional, também o negro africano foi deixado às margens do caminho.

Assim, podemos entender que as guerras e os problemas que assolavam um continente que se dizia e entendia “superior” formam um dos sustentáculos que fundou a república brasileira, erigida para o apanágio de uma classe dominante, que se entendia europeizada e que desprezava as demais, negando-lhes oportunidades e dificultando-lhes a existência.

Consequência: A violência urbana

No Brasil, a violência urbana foi gestada durante trezentos anos de escravidão e, depois, forjada no abandono completo a que a gente preta deste país foi relegada.

Quando os negros foram libertos, não foram  acolhidos por algum programa de inclusão social.  O governo — de início imperial mas na sequencia, republicano — preferiu trazer mão de obra europeia para suprir as necessidades de mão-de-obra no país.

Isto é, quando o trabalho passa a ser assalariado, os negros serão colocados de lado e substituídos por uma gente que por aqui chegava atrás das ricas terras para a agricultura.

Empurrados para as favelas que logo surgiriam, órfãos de Estado, sem educação regular, sem emprego, enquanto os filhos dos europeus foram se constituindo em uma classe média, letrada e com bons empregos, os negros e seus descendentes mestiços foram sendo deixados à deriva social.

A letra da canção “Muros e Grades”, da banda Engenheiros do Hawaii retrata nossa situação, fruto de uma sociedade que insiste em não dividir.

Banda gaúcha ironiza a maneira com o qual a elite se protege da violência urbana.

“Nas grandes cidades, do pequeno dia a dia

O medo nos leva a tudo, sobretudo à fantasia

Então erguemos muros que nos dão a garantia

De que morreremos cheios de uma vida tão vazia.”

Precisamos nos repensar como Nação! Diz-se que, no Brasil, ninguém quer se ver pobre. O pobre se vê como classe média, o classe média como rico e o rico nem se vê como brasileiro. Isso se dá porque ninguém assume sua parcela de responsabilidade pela nossa desigualdade social. A culpa sempre é “do outro”. O outro são aqueles que não têm outra alternativa senão a de sobreviver.

Estes são os miseráveis — que injustamente levam a culpa pelo nosso fracasso como sociedade.

O cientista político Jessé Souza, em sua obra “A Elite do Atraso” (que tem resenha aqui no site) chama a esta classe de “ralé”.

Foi a Lei de Terras, de 1850 que deu a oportunidade para a classe dos mandantes se manter eternamente isolada das classes desfavorecidas.

Ainda não conseguimos vencer o problema da desigualdade social extrema em nosso país.

O Brasil constituiu-se em uma sociedade em que o verdadeiro preconceito é o social. Dado a grande mestiçagem que por aqui se operou, formou-se um povo diverso no qual a má distribuição de renda foi o motor de um cisão.

Então se incutiu um grande engodo no cidadão, alimentado pela nossa elite intelectual, inclusive pelas artes, nomeadamente pelo nosso cinema.

Então, se um branco é pobre, será discriminado. Se um negro é rico, será visto como de “alma branca”. Nosso problema é social e não necessariamente racial. Daí se falar em uma “democracia racial” que, na prática, não existe. O conceito de “democracia racial” é uma falácia. Não temos sequer uma “democracia social”.

Nossa elite ainda não se convenceu de que para se ter uma sociedade onde a paz social seja reinante, faz necessário dividir. Não só a terra, mas também o pão e as oportunidades.

Preferem dividir a sociedade em guetos — os ricos, nos condomínios fechados e andando em carros blindados, gastando fortunas em segurança privada, e os pobre, presos às favelas e a um futuro onde o que não existe é expectativa de melhora.

Sim, precisamos repensar este país.

3 comentários em “As elites contra uma Nação — A desigualdade como projeto”

  1. Infelizmente, neste curto tempo de República Presidencialista não foi possível eliminar todas as injustiças criadas pelo Império.

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  2. Fico com uma dúvida: na época da abolição da escravatura, os serviços braçais mais pesados eram feitos basicamente pelos escravos negros, mas também por europeus, especialmente portugueses de menores posses que para cá vieram. A abolição causou uma abrupta falta de mão de obra especialmente na agricultura, estimulando a aceitação de imigrantes. Mas estes também aqui chegavam sem recursos ou facilidades. Eram recebidos no porto de Santos e distribuidos para fazendas para trabalhar como colonos. Essa foi a história de meu avô. Trabalhavam em propriedades rurais com pouco ou nenhum conforto de sol a sol. Com esse esforço conseguiram aos poucos juntar recursos para comprar, muitos anos depois, suas primeiras terras. Nesse período os negros, libertos, também eram mão de obra disponível. Minha dúvida está ai: por quê não se integraram na produção e evoluíram financeiramente como os imigrantes.

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    1. Luiz, sua visão é pertinente e, aliás, é partilhada por boa parte dos que debatem este problema no Brasil.
      Porém, pensamos que a falta de integração e evolução financeira dos negros libertos em comparação com os imigrantes europeus se deve a uma combinação de racismo institucionalizado, falta de apoio governamental e privado, preconceito social e ausência de redes de apoio. Esses fatores criaram um ambiente desfavorável que dificultou significativamente a ascensão social e econômica dos negros libertos, em contraste com as oportunidades oferecidas aos imigrantes europeus.
      Sim, os imigrantes trabalharam e com muito esforço conseguiram adquirir terras. O problema é que não dá para imaginar naquela época alguém negociando com um ex-escravo, até porque, na época havia um moviment, não só no Brasil, como no mundo todo, de branqueamento da raça, o que ficou conhecido como darwinismo social.

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