FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

As elites contra uma Nação — A desigualdade como projeto

Pouco antes da transformação do Brasil em República um conjunto de leis foi editado com o objetivo de manter as desigualdades sociais presentes desde nossa fundação, visando a posteridade.

Estavam ali colocadas e pensadas as normas que iriam tornar a desigualdade de nascimento uma das marcas que nos acompanham história, uma covardia atroz.

A década de 1850 é o momento em que finalmente o tráfico de negros escravos para o Brasil foi suspenso. Com isso e para suprir a necessidade de mão de obra especialmente para a lavoura, foi pensado na possibilidade de se estimular a imigração de estrangeiros europeus para o país.

Na Europa, a coisa não andava boa. Milhões de italianos, espanhóis, portugueses, alemães migravam para o novo Mundo em busca de oportunidades. Neste contexto, o Brasil passou a ser uma opção para esse pessoal, que já chegava por aqui em condições melhores do que a dos escravos que em breve seriam postos para correr das fazendas, tão logo a escravidão fosse extinta —  o que se deu em 1888.

Abolida a escravidão no Brasil, os ex-escravos foram dispensados das fazendas em que viviam.

Os fazendeiros queriam se desvencilhar da carga que os ex-escravos poderiam se tornar e, ao mesmo tempo, receber uma indenização do governo para promover a soltura dos cativos. No final das contas, o governo imperial negou indenizar e, quando finalmente promoveu a abolição, o império caiu, e os negros ex-escravos não se tornaram o peso que eles rejeitaram.

Mas, para se bem compreender a desigualdade social brasileira é necessário focar na “Lei de Terras”, e não na “Eusébio de Queirós”.

Esta Lei, também de 1850, tinha como objetivo regularizar a propriedade da terra, especialmente nas regiões rurais. Na superfície ela estabelecia normas, como a obrigatoriedade do registro das terras e a concessão de títulos de propriedade. O seu espírito era outro.

Ao criar o conceito de “terras devolutas”, que se referia às terras consideradas não ocupadas, podendo as mesmas serem compradas ou concedidas pelo Estado, daria aos já enriquecidos o meio de se apossarem de mais terras, possibilitando a institucionalização do latifúndio no Brasil.

Esta norma veio, na realidade, concretizar a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, contribuindo e legitimando a desigualdade fundiária no país.

Muitos camponeses e comunidades foram afetados, já que não possuíam meios para comprovar a posse de suas terras e acabaram ou expulsos ou perdendo o acesso a recursos naturais. Essa lei estabelecia que somente poderia ser proprietário de terras no Brasil aqueles que herdaram títulos legais, ou seja, pessoas físicas ou jurídicas brasileiras.

Estabeleceu, assim, um mercado formal de terras, beneficiando grandes proprietários que já possuíam vastas extensões de terra, ou que delas tomaram posse ao terem mais facilidade em ‘apresentar títulos’ que comprovavam a propriedade.

E, embora a Lei de Terras tenha beneficiado principalmente os grandes proprietários rurais e contribuído para a formação de um mercado de terras formal, ela não foi diretamente benéfica para a maioria dos imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no final do século XIX, ao menos num primeiro momento.

No entanto, políticas de colonização e iniciativas locais em algumas regiões do país proporcionaram certas oportunidades de acesso à terra para esses imigrantes, ainda que de forma limitada e desigual. Mas, nenhuma colônia de alocação de negros foi incentivada pelo governo.

O governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes europeus, oferecendo-lhes, enfim, a possibilidade de adquirir terras para cultivar.

Essa política tinha como objetivo suprir a demanda por mão de obra nas lavouras, substituindo o trabalho escravo que estava em declínio na época. Além disso, o governo buscava promover o povoamento e o desenvolvimento econômico do país por meio da colonização agrícola.

Os imigrantes europeus trouxeram suas culturas, conhecimentos agrícolas e emoções para a diversidade étnica e cultural do Brasil. Eles se estabeleceram principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país, dedicando-se à agricultura, à pecuária e outras atividades rurais, mas muitos também se fixaram na cidade, fazendo evoluir metrópoles como São Paulo, por exemplo.

Apesar da Lei de Terras de 1850 ter inicialmente dificultado o acesso à terra para imigrantes europeus, políticas governamentais de incentivo à imigração e colonização no final do século XIX e início do século XX acabaram por facilitar esse acesso.

Assim, os imigrantes europeus começaram a poder comprar terras no Brasil de forma mais significativa a partir da última década do século XIX, com um aumento substancial nas décadas seguintes devido às políticas de colonização dirigidas e incentivos governamentais.

Aos poucos, os imigrantes foram adquirido as terras em que laboravam, criando colônias que se transformaram em cidades. Esta é a origem de muitas cidades, em especial no Rio Grande do Sul.

A Lei de Terras e a vinda dos imigrantes tiveram impactos influenciados na formação social e econômica do Brasil. Contribuíram para o desenvolvimento da agricultura, a diversificação das atividades vividas e a transformação das paisagens rurais. Além disso, influenciaram a composição étnica da população brasileira, tornando o país multicultural e plural.

O Morro da Providência, no Rio, é tido como a primeira favela brasileira.

Mas, por outro lado, acabou por negar aos negros qualquer possibilidade de se estabelecerem socialmente. Foram relegados ao esquecimento. Abandonados à própria sorte, sem trabalho, sem instrução e, sem qualquer assistência, passaram a ocupar os piores lugares da esfera social. Para eles, criou-se as favelas.

A Diáspora Europeia

No final do século XIX, a Europa estava imersa em profundas transformações. A Revolução Industrial, aliada a crises econômicas, perseguições políticas e religiosas, impulsionou uma massiva diáspora de europeus mundo afora. Entre as terras que se ofereciam a recebê-los, o Brasil, então sob o reinado de Dom Pedro II, surgiu como destino promissor. E, mesmo após a queda do sistema, o Brasil continuou a ser um destino atrativo.

Os europeus, aos milhões, migravam para a América. Brasil, Argentina e Estados Unidos se configuraram os principais destinos de uma gente que buscava novas oportunidades de vida.

A chegada dos imigrantes europeus ao Brasil foi marcada por expectativas e desafios. Muitos buscavam escapar da pobreza e da opressão, atraídos pelas promessas de terra e liberdade. O governo brasileiro, por sua vez, via na imigração uma oportunidade para “branquear” a população e desenvolver a economia agrária, especialmente após a abolição da escravidão.

Os imigrantes tiveram um impacto profundo na sociedade brasileira. Eles trouxeram consigo habilidades, tradições culturais e uma ética de trabalho que contribuíram significativamente para o desenvolvimento econômico do país. As colônias europeias, estabelecidas em várias regiões, tornaram-se centros de progresso agrícola e industrial.

Contudo, a influência desses imigrantes não se limitou à economia. Eles também desempenharam um papel crucial na transformação do cenário político brasileiro. A presença de ideias liberais e republicanas, comuns entre muitos imigrantes, alimentou o descontentamento com a monarquia.

Essa conjuntura contribuiu para o enfraquecimento do regime monárquico e fortaleceu os ideais republicanos que culminaram na Proclamação da República em 1889.

O governo brasileiro, ao fazer a opção pelo imigrante europeu nada mais fazia do seguir uma tendência ideológica que entendia que o europeu era o povo mais civilizado do mundo e que os demais povos deveriam se mirar na cultura deles para se desenvolverem e assim atingir um estágio evoluído.

Milhões de imigrantes europeus desembarcaram no Brasil entre o final do séc. XIX e início do XX.

Foi neste contexto que o Brasil fez a opção para chamar o europeu e deixar o africano que para cá havia sido trazido à força, de lado. Como o silvícola nacional, também o negro africano foi deixado às margens do caminho.

Assim, podemos entender que as guerras e os problemas que assolavam um continente que se dizia e entendia “superior” formam um dos sustentáculos que fundou a república brasileira, erigida para o apanágio de uma classe dominante, que se entendia europeizada e que desprezava as demais, negando-lhes oportunidades e dificultando-lhes a existência.

Consequência: A violência urbana

No Brasil, a violência urbana foi gestada durante trezentos anos de escravidão e, depois, forjada no abandono completo a que a gente preta deste país foi relegada.

Quando os negros foram libertos, não foram  acolhidos por algum programa de inclusão social.  O governo — de início imperial mas na sequencia, republicano — preferiu trazer mão de obra europeia para suprir as necessidades de mão-de-obra no país.

Isto é, quando o trabalho passa a ser assalariado, os negros serão colocados de lado e substituídos por uma gente que por aqui chegava atrás das ricas terras para a agricultura.

Empurrados para as favelas que logo surgiriam, órfãos de Estado, sem educação regular, sem emprego, enquanto os filhos dos europeus foram se constituindo em uma classe média, letrada e com bons empregos, os negros e seus descendentes mestiços foram sendo deixados à deriva social.

A letra da canção “Muros e Grades”, da banda Engenheiros do Hawaii retrata nossa situação, fruto de uma sociedade que insiste em não dividir.

Banda gaúcha ironiza a maneira com o qual a elite se protege da violência urbana.

“Nas grandes cidades, do pequeno dia a dia

O medo nos leva a tudo, sobretudo à fantasia

Então erguemos muros que nos dão a garantia

De que morreremos cheios de uma vida tão vazia.”

Precisamos nos repensar como Nação! Diz-se que, no Brasil, ninguém quer se ver pobre. O pobre se vê como classe média, o classe média como rico e o rico nem se vê como brasileiro. Isso se dá porque ninguém assume sua parcela de responsabilidade pela nossa desigualdade social. A culpa sempre é “do outro”. O outro são aqueles que não têm outra alternativa senão a de sobreviver.

Estes são os miseráveis — que injustamente levam a culpa pelo nosso fracasso como sociedade.

O cientista político Jessé Souza, em sua obra “A Elite do Atraso” (que tem resenha aqui no site) chama a esta classe de “ralé”.

Foi a Lei de Terras, de 1850 que deu a oportunidade para a classe dos mandantes se manter eternamente isolada das classes desfavorecidas.

Ainda não conseguimos vencer o problema da desigualdade social extrema em nosso país.

O Brasil constituiu-se em uma sociedade em que o verdadeiro preconceito é o social. Dado a grande mestiçagem que por aqui se operou, formou-se um povo diverso no qual a má distribuição de renda foi o motor de um cisão.

Então se incutiu um grande engodo no cidadão, alimentado pela nossa elite intelectual, inclusive pelas artes, nomeadamente pelo nosso cinema.

Então, se um branco é pobre, será discriminado. Se um negro é rico, será visto como de “alma branca”. Nosso problema é social e não necessariamente racial. Daí se falar em uma “democracia racial” que, na prática, não existe. O conceito de “democracia racial” é uma falácia. Não temos sequer uma “democracia social”.

Nossa elite ainda não se convenceu de que para se ter uma sociedade onde a paz social seja reinante, faz necessário dividir. Não só a terra, mas também o pão e as oportunidades.

Preferem dividir a sociedade em guetos — os ricos, nos condomínios fechados e andando em carros blindados, gastando fortunas em segurança privada, e os pobre, presos às favelas e a um futuro onde o que não existe é expectativa de melhora.

Sim, precisamos repensar este país.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

As elites contra uma Nação — Uma corte improvisada

Imagine uma corte que subitamente é transposta de um continente para o outro. Um rei e senhor de um império ultramarino tem de sair do conforto de seus palácios e se aventurar mar afora, rumo a uma terra inóspita. Fugia de algo pior. Da rendição, da prisão ou até da morte.

Escambo entre índios e portugueses – trocas desfavoráveis aos nativos.

Enquanto Napoleão Bonaparte direcionava seu exército para Portugal, D. João VI, ainda infante fugia com sua mãe rainha para o Brasil. Dizem que essa ideia já frequentava a mente dos pensadores da corte. Se isso é verdade, a ideia tornou-se realidade pelas necessidades do momento.

Agora imagine o povo da colônia Brasil recebendo uma autoridade de tamanha envergadura. E recebendo-a não como mera visita. Um rei que vinha para ficar!

A maneira como a Corte portuguesa se comportou ao chegar ao Brasil acabou por influenciar negativamente a formação da alma do que viria a ser, poucos anos depois, o país independente do Brasil.

O olhar dos portugueses para o populacho que aqui vivia era do total desprezo. O olhar do povo que aqui havia era de total deslumbramento. Daí até hoje o brasileiro enxergar em tudo o que é importado algo que vale mais do que o que é produzido por aqui?

A incipiente classe média que por aqui estava sendo constituída abriu as portas de suas residências para as autoridades mais importantes. Sabe-se, por exemplo, que um rico comerciante carioca, chamado Elias Antônio Lopes ofertou ao monarca a Quinta da Boa Vista, livrando a família real de viver nas condições em que se encontravam no paço do Vice-Rei, indigna da condição deles. Assim o fizeram para se aproximarem do poder. Nasceu aí nosso clientelismo?

Casas receberam a inscrição de pertencimento ao Príncipe Regente (P.R.)

É sabido também que para abrigar os milhares de nobres e cortesãos que acompanharam a comitiva real, cerca de duas mil casas foram requisitadas, tendo seus moradores desalojados. Ao receber o selo de P. R. (Príncipe Regente) o carioca, com seu nascente humor logo entendeu o recado: Ponha-se na Rua!

É fato que ao receber a família real com tantas honras, os brasileiros, especialmente aquela elite que por aqui se formava mirava outras coisas —  seus próprios interesses.

Com vistas a isso, a imagem de uma corte endeusada foi difundida. Para a pequena burguesia que viva na capital da colônia surgia uma oportunidade rara de pertencer a uma corte. Para a população empobrecida, vendeu-se uma imagem de profunda superioridade: a dos nobres em relação a eles, pobres mortais.

Os pontos positivos que podemos citar dos primeiros dias em que D. João permaneceu em Salvador, antes de desembarcar no Rio de Janeiro dizem muito sobre isso. Isto é, até o que foi positivo para o Brasil, como a abertura dos portos para as ”nações amigas” (diga-se, Inglaterra)  tem mais a ver com o acordo que ele costurou com os ingleses para ser transportado em segurança para as Américas e com as necessidades que ele passaria a ter por aqui do que com benesses à Colônia do que com a atenção que ele devia ao povo da colônia. Esta já clamava por isso há tempos e isso era-lhe reiteradamente negado.

Assim, o momento da vinda da família real, no lugar de se tornar um momento propício para Portugal construir nas Américas um estado bem planejado constituiu-se, ao contrário, o ápice da desorganização e da improvisação.

José Bonifácio e Elias Antônio Lopes

José Bonifácio de Andrada e Silva é tido como o patrono da Independência. Mas, antes de influenciar direta e decididamente no processo de separação política do Brasil de Portugal, Bonifácio esteve no continente europeu onde, inclusive, ajudou a defender Portugal da invasão napoleônica. Sim, apesar de ser brasileiro,  nascido na cidade de Santos, José Bonifácio não embarcou junto com a Corte portuguesa para o Brasil naquele momento extremo.

Elias Antônio Lopes foi um rico e poderoso traficante de escravos. Nascido, provavelmente, na cidade do Porto, por volta de 1756, emigrou para o Brasil em 1771, já iniciado no comércio de grosso trato – importação e exportação.

Do comércio de tecidos e utensílio, avançou naturalmente para o comércio de escravos. Enriqueceu-se consideravelmente entre as décadas de 1780 e 1790. Enquanto a revolução que iria levar Napoleão a invadir Portugal e a transferir a Corte para a América, Elias Antônio firmava-se como um dos mais ricos negociantes do Vice-Reino do Brasil.

“Quinta da Boa Vista” é marca do clientelismo no país.

Nesse momento, Bonifácio, como conselheiro real em Portugal traçava planos e o apresentava ao monarca, a fim de transferir a Corte para o Brasil —  de início, uma ideia estapafúrdia.

Mas, como a história iria confirmar, em 1807 a Corte foi obrigada a se transferir para além mar. Com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, Lopes presenteou o príncipe Dom João com um palácio, a futura Quinta da Boa Vista, que se tornou morada oficial do monarca.

Depois, se envolveu na captação fiscal, uma das atividades mais lucrativas da colônia. Foi nomeado corretor e provedor da Casa de Seguros da Corte. Também foi deputado.

Elias Antônio Lopes faleceu em 1815, aos 59 anos de idade. Não deixou testamento, e nem teve filhos. A sua riqueza gerou uma grande briga entre seus herdeiros: seus irmãos e seus sobrinhos. Seu empreendimento continuou funcionando até 1816, realizando mais quatro expedições.

Bonifácio retornaria de sua estada na Europa em 1819. Já contava com 56 anos, uma idade um pouco avançada para os padrões da época. Mas seu grande trabalho estava por começar.

Agora, ele desempenharia um papel crucial em ajudar D. Pedro I a promover e alcançar a independência do Brasil em relação a Portugal. Atuou como um dos principais defensores da independência e foi fundamental na formação do governo inicial da nação recém-independente.

Ao participar da Assembleia que iria realizar a primeira Constituição da nova Nação tentou torna-la liberal para além das expectativas do monarca. Caiu em desgraças diante do soberano ao criticar ao próprio D. Pedro I o caso extraconjugal que o mesmo mantinha com Domitila de Castro, conhecida como a Marquesa de Santos. Essa relação era amplamente conhecida e mal vista por parte da sociedade e da elite brasileira da época, que esperava um comportamento mais adequado do monarca.

Bonifácio, conhecido por sua postura moralista e defensora dos princípios monárquicos, via a situação como prejudicial ao país.

No entanto, Dom Pedro I não gostou das críticas de José Bonifácio e o acusou de conspirar contra o seu governo. Essas tensões culminaram na demissão de Bonifácio de seu cargo de Ministro do Império em 1823. O afastamento de José Bonifácio enfraqueceu o governo imperial e contribuiu para a instabilidade política que marcou os primeiros anos do Império do Brasil.

Mais tarde, de volta do exilio, Bonifácio ainda seria o tutor de D. Pedro II. Ao partir para Portugal, a fim de controlar a Revolução do Porto que lá se desenvolvia, D. Pedro I sabia que não existia ninguém melhor do que o antigo conselheiro para educar o menino que deixava como príncipe regente no Brasil.

Porém, logo Bonifácio seria destituído desse cargo. Os regentes e outros políticos temiam a autoridade e o poder de Bonifácio sobre o jovem imperador, preocupando-se com a centralização do poder. Além disso, havia desentendimentos em relação a políticas e reformas que Bonifácio defendia.

Após sua destituição, José Bonifácio se retirou da vida política e passou o restante de sua vida em relativo isolamento. Sua saída da cena política marcou o fim de sua influência direta sobre o governo e a educação de Dom Pedro II. No entanto, ele permaneceu uma figura importante na história do Brasil, devido ao seu papel na independência e nos primeiros anos do Império.

Faleceu em Niterói, Rio de Janeiro, no dia 6 de abril de 1838. Ele tinha 80 anos de idade na época de sua morte. A morte de José Bonifácio marcou o fim de uma era na política brasileira e uma das figuras mais proeminentes dos primeiros anos do Império do Brasil. Faltavam dois anos para a ocorrência do Golpe da Maioridade, que elevou o príncipe regente à Monarca com apenas 14 anos de idade.

Contexto: As Guerras Napoleônicas

A revolução Francesa gerou Napoleão Bonaparte que gerou a libertação da América europeia. Nada disso foi programado. Uma coisa foi consequência da outra. Ao aplicar o bloqueio continental, Napoleão estava fazendo transferir a corte portuguesa para o Brasil e provocando a liberdade política do gigante sul americano. Portugal novamente se viu relegado a ser um pequeno reino e agora seria a Inglaterra quem sequestraria as riquezas do Brasil.

França visava enfraquecer seu rival europeu financiando a independência dos EUA.

O Brasil nasceu herdando as dívidas de Portugal. Diferentemente do que aconteceu quando da independência dos Estados Unidos, pela qual a França patrocinou a guerra que retiraria o gigante norte americano das mãos de sua rival, Inglaterra, por aqui se deu exatamente o contrário. Por aqui foi a Inglaterra que transferiu a dívida que Portugal havia contraído junto aos ingleses para a nascente nação sul americana.

Curioso observar também que durante o período Portugal será, de certa maneira, administrado por ingleses. Foi o exército inglês que se uniu ao povo que ficara no país para combater a invasão napoleônica. O comando do exército português, que era a única força real do país foi entregue aos ingleses. Essa situação irá perdurar até 1814.

De uma assistência militar a situação iria se ampliar para a influência política. É nesse contexto que se pode compreender a Revolução do Porto. As consequências desta Revolução será a ida de D. Pedro I para Portugal, onde assumirá o nome de D. Pedro IV de Portugal.

Por aqui, quem ficará como príncipe regente será uma criança de cinco anos de idade. O poder será compartilhado por uma regência, a princípio trina —  aliás, um período tumultuadíssimo da política nacional brasileira.

Poderíamos dizer que tudo isso se deu em consequência das invasões que Napoleão promovia na Europa de então? Parece que sim.

Se no primeiro momento de nossa história foi a economia que ditou os destinos, agora foi a política. A política expansionista de Bonaparte, mais do que a questão econômica será a responsável pela vinda da família real para o Brasil, da consequente transferência da Coroa para cá, da Revolução do Porto tão logo o perigo da guerra se arrefeceu na Europa, da ida de D. Pedro I para lá, da implantação do sistema das regências no Brasil.

Consequências: conflito entre poderes, complexo de inferioridade e clientelismo

O período de nascimento do Brasil como nação independente é significativo em termos das características que imprimiu na própria alma da Nação.

A primeira consequência é que, politicamente, o país surgiu instável. Quando a corte foi transferida para o Rio de Janeiro, um projeto que já vinha se desenvolvendo desde que Portugal tentou implementar um governo central, para controlar o domínio dos donatários em suas respectivas regiões foi reativado. Isto remonta a 1549!

Ou seja, desde o início o governo de Portugal fazia esforços para concentrar o governo da colônia em um único lugar. Porém, dado às dimensões continentais do Brasil, isso se tronava inviável. O sistema de capitanias deu muito poder aos donatários (os responsáveis pelas capitanias), que frequentemente agiam de maneira autônoma e fora do controle direto da Coroa Portuguesa. Isso dificultava a implementação de uma política colonial coesa e eficaz.

Portanto, agora, já no alvorecer no século XIX era a própria Coroa que para cá migrava. A força de um governo central se tornava, assim, irresistível. Mas nem por isso os ‘regionalismo’ perderam força.

A chegada da família real ao Brasil e a subsequente centralização do poder geraram várias revoltas locais. Esses movimentos foram motivados por insatisfações econômicas, políticas e sociais, e refletiram a resistência das elites locais à perda de autonomia. Embora muitas dessas revoltas tenham sido suprimidas, elas pavimentaram o caminho para a crescente demanda por independência e autonomia, culminando na independência do Brasil em 1822. Mas, mesmo com a Independência, a política nacional se acalmou, pelo contrário!

Ainda hoje o embate entre poder local e poder central se faz sentir. Inclusive governos autoritários e militares muitas vezes trazem exatamente esta característica —  diminuir o poder de governos regionais. Centralismo contra regionalismo é característica de nossa política que perisiste ainda hoje. Uma questão ainda mal resolvida.

Brasileiro valoriza produto importado em detrimento do nacional.

Outra característica sugida naquele momento de nossa história é a tendência que o brasileiro tem de achar que as coisas importadas são melhores do que as coisas nacionais.

O marco fundante está no próprio descobrimento, quando os índios se maravilharam com as bugigangas dadas pelos portugueses que pretendiam trocar ouro por pequenos espelhos.

Mas o momento marcante disto foi o da vinda da família real para o Brasil. Vieram como nobres que se prestaram a viver entre os pobres. Os pobres abriram-lhes as portas de suas casas e os seus corações. Os nobres apenas impuseram sua condição superior. Mal sabiam os nativos que a riqueza que alimentaria as cortes europeias por um longo período, financiando inclusive a revolução industrial inglesa saía (e continua saindo) daqui.

Por fim, outro ponto deste momento que precisa ser destacado é o surgimento do clientelismo entre nós.

O clientelismo é uma prática política arraigada no Brasil, caracterizada pela troca de favores entre políticos e cidadãos, onde os primeiros oferecem benefícios em troca de apoio político. Esta prática tem profundas raízes históricas e continua a influenciar a vida pública no Brasil de várias formas.

O clientelismo no Brasil tem suas raízes no período colonial e no sistema de capitanias hereditárias, onde grandes proprietários de terras (os donatários) exerciam controle sobre vastas regiões e suas populações. Essa prática se perpetuou ao longo dos séculos, adaptando-se às mudanças políticas e sociais.

Porém, a prática se tornou mais visível e eficaz quando da vinda da família real portuguesa para cá. Agora se podia negociar diretamente com os verdadeiros donos do poder. O exemplo de Elias Antônio Lopes é marcante.

Quando a família real portuguesa chegou ao Brasil em 1808, liderada pelo príncipe regente Dom João VI, houve um impacto significativo nas estruturas sociais, políticas e econômicas da colônia. Esse período viu a expansão do clientelismo como um mecanismo importante para a manutenção do poder e a administração da vasta colônia.

A abertura dos portos brasileiros às nações amigas em 1808, seguida pela assinatura de tratados de comércio, favoreceu diretamente comerciantes que apoiavam o governo. Esses acordos comerciais, embora benéficos para o desenvolvimento econômico, também serviram como uma forma de clientelismo, beneficiando diretamente aqueles próximos à corte.

É no Parlamento que o clientelismo e o embate entre poder local/central se mostra mais evidente.

A criação de novas instituições e cargos administrativos, como tribunais, ministérios e instituições educacionais, foi uma maneira de recompensar aliados e consolidar o poder. A distribuição desses cargos muitas vezes se baseava em lealdades pessoais e políticas, em vez de méritos.

A distribuição de terras e concessões agrícolas para nobres e aliados políticos foi outra forma de clientelismo. Essa prática garantiu que a elite agrária permanecesse leal ao regime, ao mesmo tempo em que fortalecia a base de poder local.

A chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808 intensificou as práticas clientelistas, que se tornaram uma ferramenta crucial para a manutenção do poder e a administração da colônia.

Essas práticas, enquanto consolidavam o apoio das elites locais e centralizavam o poder, também perpetuaram a desigualdade social e fortaleceram as bases de um sistema político dependente de relações pessoais e favores, cujas repercussões se sentem até hoje na política brasileira.

No inventário de nossas mazelas, o período é prodigo em criatividade. O país precisa vencer estas barreias para desenvolver-se plenamente. O desafio de enfrentar estas situações permanece.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

As elites contra uma Nação — Educação abortada

Colonização para apenas explorar

A Educação é um dos grandes gargalos que um país que se pretende desenvolvido deve superar. A escola funciona como uma estufa onde futuros talentos estão sendo gestados. É também de lá que vão sair pessoas que, se não dotadas de grandes talentos, ao menos conseguirão ter um mínimo de capacidade crítica para saber quando estão sendo enganadas pelos detentores dos poderes estatais. Pessoas, enfim, dispostas à construção coletiva da sociedade. Somente a educação pode fazer um povo tomar consciência disto.

Má formação escolar compromete desenvolvimento humano do país.

A educação no Brasil foi vilipendiada nos seus estertores. As consequências deste ato podem ser sentidas ainda hoje, tanto tempo depois. Formamo-nos como um povo que tem pouco apreço por projetos de longo prazo.

Em verdade, a educação foi implementada no Brasil colonial com a intenção única de catequizar os povos que por aqui viviam originalmente, então entendidos como bárbaros.

Depois a configuração da educação na colônia portuguesa mudou um pouco e pretendeu-se, além da catequização, formar uma classe burocrática apta a trabalhar nos negócios de um estado que aos poucos ia se organizando. Os Jesuítas foram incumbidos de ambas as tarefas.

É fato que a Colônia portuguesa na América, isto é, o Brasil, foi uma colônia de exploração, diferente das colônias anglo-saxãs, que se constituíram como colônias de povoamento.

Mas por aqui, apesar deste problema de origem, tivemos outros. A educação, como projeto de estado, foi reiteradamente menosprezada. As colônias espanholas vão conhecer suas primeiras Universidades ainda no século XVI. Por aqui, a coisa tardou a acontecer.

Isso porque o modelo exploratório, baseado na monocultura para a exportação, na grande propriedade e na mão de obra escrava,  não demandava, de maneira alguma, qualquer mão-de-obra especializada.

Primeiro houve a exploração do pau Brasil, depois o cultivo da cana-de-açúcar, depois o ouro. Nenhuma destas atividades requeria nada mais do que força bruta. Aliás, pensar era um perigo. Desta maneira, a escola foi dispensável — a não ser pela preocupação com a conquista das almas.

A Corte portuguesa tinha duas ambições quando se aventurou nos mares. Além da conquista da terra, pretendia também garantir almas.

A Europa vivia o apogeu de um processo iniciado por Martinho Lutero, pelo qual a fé católica vinha sendo questionada diante de novos entendimentos. Pregava-se uma fé autônoma que não necessitava de intermediários para chegar a Deus.

A Companhia de Jesus foi fundada com o objetivo de combater a reforma protestante e atuou em diversos lugares, inclusive na Europa. Por aqui, sua missão foi a de converter os povos originários para o catolicismo.

Atente-se também para o fato de que os povos originários tinham suas próprias formas de educação, feita através da observação que as crianças faziam quanto às atividades dos mais velhos. Esses laços foram rompidos com a chegada dos Jesuítas. Portanto, a educação foi introduzida na colônia não para o desenvolvimento econômico da mesma, mas por questões religiosas e exploratórias.

E com o tempo se configurou da seguinte maneira: para uma elite colonial que começava a se desenhar por aqui, a instrução moral e administrativa. Para os nativos, a catequese.

Os jesuítas, no esforço de catequisar acabaram por se esforçar em conhecer a língua dos nativos, em especial o Tupi. Foram depois proibidos pelo governo português de usar essa linguagem que os aproximava dos indígenas.

Portugal temia que a ação pudesse descaracterizar o caráter possessório de Portugal sobre o Brasil já que uma das características do estado moderno que então se desenhava como novidade política do século era exatamente o domínio da língua sobre o território. Isso dificultou a educação promovida pelos religiosos.

Apelavam então para o teatro, para a música e para a poesia como forma de atrair as crianças índias e, a partir delas, levar a catequese aos seus pais. Pretendeu, inclusive, mudar-lhes os costumes.

Os índios vinham sendo perseguidos pelas bandeiras, que pretendiam conquistar mão de obra escrava. Contra a perseguição aos indígenas os Jesuítas organizaram as missões. Mas, se por um lado, essas missões protegiam os índios, por outro reunia-os em um único local, o que, de certa maneira, facilitava o trabalho dos bandeirantes que saíam a caça dos silvícolas.

As missões traziam outro problema: distanciavam os índios de suas origens naturais, impondo-lhes costumes que não era os seus.

Contexto Global: O despotismo esclarecido

Na segunda metade do século XVIII, surge na Europa um novo movimento político que pretendia retirar do rei o poder absoluto que ele vinha detendo em alguns lugares, como a França, por exemplo. Portugal aderiu ao movimento, que passou para história com o nome de despotismo esclarecido, isto é, agora o rei não mandava sem fundamentar suas ordens.

Ruína jesuítica dos “Sete povos das missões”

Seguindo o movimento, o rei de Portugal, D. José I destacou para o posto de secretário de Estado do Reino um homem que passaria para a história com o nome de “Marquês de Pombal”. Ele promoveu profundas alterações na administração do Império Português —  foram as Reformas Pombalinas. Uma destas alterações atingiram os jesuítas de maneira geral e a ordem jesuítica que atuava no Brasil, de modo particular.

Em 1759 os jesuítas foram expulsos do Brasil. Seus bens foram confiscados pela coroa e nosso processo de educação foi bruscamente interrompido. A educação no Brasil só terá alguma movimentação oficial treze anos depois, quando em 1772 houve a criação de “aulas régias de ler e escrever”, agora ligadas a ordens como a das carmelitas, dos beneditinos e dos franciscanos, isto é, a educação continuou ligada à religião, o que deu a ela um caráter muito formal e eletivo.

Distante das realidades cotidianas, nossa educação não colaborou para a formação de uma sociedade conectada às novidades que o mundo vivenciava, especialmente às relacionadas à Revolução Industrial.

Talvez daí advir o fato de que o Brasil raramente vai busca na ciência, no planejamento e na academia a solução para os seus problemas. Fica assim ligado e dependente de uma classe política que se assenhora do poder e se instala no Parlamento, locus privilegiado de poder de um país que não conseguiu, ainda, ultrapassar esta fase básica para o desenvolvimento de uma nação.

Tudo isso reflete o quão mal ajambrado foi o projeto de educação nos primeiros anos do Brasil. Situação que pouco mudou após a independência.

Por fim, o que se observa em nosso país é que educação de verdade é para poucos. Esse fato nos torna uma sociedade que desperdiça talentos e que se tornou refratária em relação ao enfrentamento das etapas que certas situações exigem.

Consequência: o imediatismo

Faltou ao Brasil um projeto educacional. Ao faltar um projeto educacional, falta, em verdade, um projeto de Nação pois é a educação que a constrói.

Se esse projeto nos faltou foi porque, assim como não interessava ao Marques de Pombal manter uma colônia esclarecida, jamais interessou à classe dominante deste país, após sua independência, ter um povo esclarecido.

Um país agrário não necessitava de mão de obra especializada para prover o desenvolvimento que interessava à sua elite.

Atualmente, o Brasil tem trabalhado para implementar uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela representa uma tentativa significativa de padronizar a educação, estabelecendo diretrizes claras para o que os estudantes devem aprender em cada etapa da educação básica.

Sua implementação tem sido um processo complexo e desafiador, mas é vista como uma etapa importante na busca pela melhoria da qualidade da educação no país.

A Constituição de 1988 estabeleceu a educação como um direito de todos e responsabilidade do Estado. A última década do século XX inaugurou a preocupação com a avaliação do processo educativo no Brasil. A implementação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) foram iniciativas importantes para avaliar e financiar a educação.

No século 21, o Brasil enfrenta o desafio de melhorar a qualidade da educação enquanto busca expandir o acesso à mesma. Reformas recentes, como a do Ensino Médio, visam modernizar o currículo e tornar a educação mais adaptável às necessidades dos estudantes e do mercado de trabalho.

Precisamos avançar e resgatar aquilo que nos foi sonegado, desde o período colonial.

O problema que disto resulta é o fato de que nos acostumamos a buscar resultados rápidos, sem nos atentar pelo percurso que necessita ser percorrido para se o atingir. Em uma frase célebre, o então ministro da Economia, Henrique Meirelles disse: “O longo prazo demora, mas chega”. É isso: ao procurar resultados instantâneos, rifamos as possibilidades de atingirmos o desenvolvimento de que necessitamos.

Cuiabá projetou um VLT para a Copa de 2014 que jamais chegou a funcionar.

A falta de interesse de parte da população brasileira por projetos de longo prazo é um fenômeno que pode ser explicado por diversos fatores sociais, econômicos e históricos, e que tem profundas implicações no desenvolvimento do país, especialmente no âmbito educacional. Este desinteresse por iniciativas de longa duração se reflete diretamente no subdesenvolvimento persistente do Brasil e na dificuldade em consolidar avanços significativos em áreas cruciais como educação, saúde e infraestrutura.

Historicamente, o Brasil é marcado por uma série de instabilidades políticas e econômicas que têm influenciado a percepção pública sobre a eficácia de políticas de longo prazo. A alternância frequente de governos, junto com escândalos de corrupção e políticas públicas inconsistentes, mina a confiança da população na capacidade dos líderes eleitos de planejar e executar projetos que ultrapassem os seus mandatos. Isso gera uma cultura de imediatismo, onde o foco se desloca para soluções rápidas e muitas vezes paliativas, em detrimento de soluções estruturais que requerem tempo e paciência para maturar.

No contexto educacional, essa preferência pelo imediatismo se manifesta na falta de investimentos consistentes em programas que promovam melhorias a longo prazo, como a formação de professores, a infraestrutura escolar adequada e a implementação de currículos inovadores. Em vez disso, frequentemente se observa uma busca por resultados imediatos, que possam ser facilmente mensuráveis e reportáveis, o que pode comprometer a qualidade e a sustentabilidade das iniciativas educacionais.

Esta abordagem também impacta diretamente na capacidade do país de se desenvolver economicamente. Sem uma força de trabalho bem-educada e adaptável, o Brasil continua a lutar com baixos índices de produtividade e inovação, o que dificulta a competição em um mercado global cada vez mais baseado no conhecimento e na tecnologia avançada. A falta de educação de qualidade perpetua a desigualdade social, limitando o potencial de crescimento econômico e a redução da pobreza.

Portanto, para que o Brasil supere sua condição de subdesenvolvimento, é crucial que haja uma mudança de mentalidade em relação ao valor de projetos de longo prazo, especialmente na educação. Isso implica não apenas em um compromisso por parte dos governantes, mas também um envolvimento maior da população para exigir e apoiar iniciativas que possam não trazer benefícios imediatos, mas que são essenciais para garantir um futuro mais próspero e equitativo para todos os brasileiros. A educação, sendo um direito fundamental e um motor de desenvolvimento, deve estar no centro dessa transformação.

Esta situação se iniciou com o desinteresse de Portugal em construir uma sociedade estável nos trópicos e se confirmou quando nossas elites, políticas e econômicas fizeram a opção por manter o brasileiro nesta situação de subdesenvolvimento diante do mundo desenvolvido.

Sobral-CE desenvolveu um premiado sistema de ensino que é exemplo a ser seguido.

Temos tido alguns bons exemplos, como o que se observa na cidade de Sobral e no próprio estado do Ceará. Aliás, esta é a confirmação de que, em se tratando de educação, a palavra chavé é projeto. Por lá foi elaborado um projeto que, mesmo com a alternância de governos, não foi interrompido. Isto é, educação deve ser um projeto de Estado, não de governo.

Infelizmente, casos como esses ainda são excessão. Que nossas elites entendam de uma vez por todas que este é o caminho. Negar educação ao brasileiro é negar a si mesmo um país melhor para se viver.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

As elites contra uma Nação— Apresentação, parte 2

O mundo nos moldou

É parte deste trabalho investigar como as conjunturas mundiais acabaram por influenciar e retirar dos brasileiros os benefícios que as nossas riquezas nos devia fazer tributários. Aliás, o raciocínio é válido para diversos países da América Latina — senão para todos —  fomos usurpados!

E, após usurpar, basta vender a imagem de que os verdadeiros culpados pelo atraso é o próprio povo que habita o país, não seus governantes e privilegiados, que se uniram a uma ordem global dominante.

Conforme verificamos, nascemos em um contexto global e sempre tivemos uma importância menor no concerto das nações. E todas as vezes que o Brasil tentou — e ainda tenta — se impor lá fora, é sumariamente barrado.

Conferência da Paz, realizada em Paris – EUA barraram as expectativas brasileiras.

Aconteceu durante a Conferência da Paz de 1919 quando, após colaborar com os aliados durante a Primeira Guerra Mundial, o Brasil pleiteou merecida posição de maior destaque, mas teve sua voz abafada. Acontece ainda hoje, quando tenta integrar o Conselho Permanente de Segurança da ONU, mas, não é admitido. (E só o será quando o próprio órgão perder sua importância).

Por outro lado, nos momentos em que o Brasil encontra caminhos para prosperar, nossas elites políticas, unidas aos interesses das elites globais, barganham o futuro da Nação. Isso aconteceu desde o período colonial, passando pelo processo de nossa independência — momento em que nos libertamos politicamente de Portugal para nos amarrar economicamente à Inglaterra.

Aconteceu quando da passagem do regime imperial para o republicano e também quando da queda da primeira república. As oportunidades que as grandes guerras trouxeram foram rifadas pelos poderosos que preferiram se unir às elites globais a construir uma sociedade viável por aqui. Nossas elites não acreditam no potencial do seu povo.

É traço constante de nosso destino político. Nossas elites, não sendo originais, autóctones, por assim dizer, preferem se unir à elites de fora. Nesse sentido, elas nada mais são do que a replicação dos interesses estrangeiros por aqui.

Nos Estados Unidos, citado e decantado como sucesso de Nação, as elites não se sujeitaram aos desmandos de estrangeiros. Oriundos de uma fuga de perseguições ocorridas na Europa e com o clima semelhante ao europeu (ao menos no Norte), aquele país desenvolveu-se de maneira muito mais autônoma do que o Brasil e seus congêneres latino americanos.

Aliás, o momento de independência do Brasil e dos Estados Unidos traz um traço incômodo. Enquanto os Estados Unidos se financiaram com a França para promover a sua independência diante da Inglaterra, o Brasil teve de assumir a dívida de Portugal com a mesma Inglaterra para que esta o reconhecesse como nação independente. A diferença é gritante!

Mas quem eram os brasileiros?

Mais um ponto a se refletir é o que diz respeito à própria significação do que é, afinal, ser “brasileiro”, especialmente durante os primeiros anos de nação independente. De início o termo sugeria certo caráter pejorativo. Durante a elaboração de nossa primeira constituição (1824) o tema foi central — quem eram, afinal de contas, os brasileiros?

A miscigenação resultante do cruzamento do europeu, em especial o português, com a índia gerou o mameluco, ou o multado, resultado do cruzamento do europeu com a negra escrava trazida da África. Do mameluco tem-se que se trata de nome emprestado, segundo Darcy Ribeiro “de uma casta de escravos que os árabes tomavam de seus pais para criar e adestrar em suas casas-criatórios, onde desenvolviam o talento que acaso tivessem[2].

Quanto ao “mulato”, a palavra em si é derivada do espanhol que supostamente tem raízes na palavra “mulo” (mula em português), referindo-se ao descendente híbrido de um cavalo (europeu) e de uma jumenta (africana), enfatizando a ideia de mistura de raças.

Tais classificações eram parte de um sistema mais amplo de “castas”, usado especialmente em colônias espanholas e portuguesas na América Latina para descrever e controlar a complexa mistura de raças que emergiu com a colonização europeia, a escravização de africanos e a interação com as populações indígenas locais.

Esses eram os nascidos nas terras brasileiras — então, os brasileiros. Desta maneira, os europeus não queriam que seus filhos levassem o nome de brasileiros. Na verdade, não se sentiam nem tinham o menor desejo de o serem.

O sentimento que se tem é o de que, desde o início, existe um pacto para que essa terra não prospere —  trata-se de um lugar para se explorar. Um país com nossas riquezas e dimensões seria (e é!) um fortíssimo entrave ao desenvolvimento fácil que as nações ocidentais ditas “desenvolvidas” pleiteiam e esperam.

Fazer um povo acredita-se incapaz – eis nossa maior miséria.

Parece questão menor ou mesmo discurso de perdedores, mas não é. Aliás, sustentar essa posição é exatamente o objetivo de quem pretende manter essa situação. Fazer o próprio brasileiro entender-se como o responsável por essa condição é a maior covardia que se pode cometer com um povo.

Nossa responsabilidade está exatamente em acreditarmos nessa falácia. Precisamos romper essa barreira ideológica e entender que somente com trabalho e orgulho próprio romperemos essa barreira que criaram ao nosso desenvolvimento e que nos condena a ser o “país do futuro”, sem nunca o ser. O primeiro passo é compreender como isso se deu.

O que se entende por “dar certo”

Recentemente o filósofo italiano Domenico de Masi faleceu. O Brasil deveria chorar mais a morte desse pensador. Para ele, o Brasil conseguiu criar uma civilização que tem muito a ensinar ao mundo.

Na visão do autor, “o Brasil democrático de hoje demonstra que seu futuro chegou[3]. Então, o quê nos falta para agarrá-lo?

Então, afinal de contas, o que se quer dizer quando falamos que este país “ainda não deu certo”?

O Brasil nunca teve a pretensão de ser uma potência colonizadora. Sempre teve terras suficientes para sustentar sua população com alimentos e trabalho. Com a rara exceção da Guerra do Paraguai, nossa história não foi forjada na guerra. Nossos conflitos foram sempre internos. Brigamos contra nós mesmos.

E nos negamos desenvolvimento. Nosso país se vê preso ao que os economistas chamam de “armadilha da baixa renda”.

A armadilha da baixa renda sugere que países com renda per capita baixa enfrentam dificuldades para investir em áreas críticas como educação, saúde, infraestrutura e tecnologia, o que limita seu crescimento econômico e os mantém em um estado de pobreza ou de baixo desenvolvimento econômico.

Isso acontece porque a baixa renda implica baixa poupança e investimento, o que, por sua vez, leva a um crescimento econômico lento. Este ciclo vicioso pode ser difícil de quebrar sem intervenção externa, como ajuda financeira, investimentos diretos estrangeiros, políticas governamentais eficazes ou inovações tecnológicas.

Escapar desta armadilha seria o que se entende por fazer este país “dar certo”. Embora o Brasil não seja considerado um país de baixa renda pelo Banco Mundial, sua renda per capita ainda é significativamente menor quando comparada a países desenvolvidos. Isso sugere desafios no crescimento econômico sustentável.

No Brasil, a taxa de investimento tem sido historicamente baixa em comparação com outras economias emergentes, o que pode limitar seu potencial de crescimento.

Desigualdade cria cenários estranhos, como o existente entre os bairros do Morumbi e de Paraisópolis, em SP

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, com grande parte da riqueza concentrada no topo da distribuição de renda. Isso pode dificultar o desenvolvimento econômico sustentável e a mobilidade social.

Investimentos insuficientes em educação e saúde podem restringir o desenvolvimento do capital humano, essencial para o crescimento econômico de longo prazo. O Brasil enfrenta desafios significativos nessas áreas, com disparidades regionais acentuadas que afetam o acesso e a qualidade dos serviços.

O crescimento econômico do Brasil tem sido volátil nas últimas décadas, com períodos de recessão que impactaram negativamente o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza.

De qualquer maneira, isso não acontece porque o brasileiro é preguiçoso ou pouco confiável — entre outras preciosidades pejorativas que o próprio brasileiro costuma se auto atribuir.

Isso acontece porque nossas elites econômicas e políticas rifam o futuro da Nação brasileira. Isso acontece porque as grandes nações desenvolvidas agarram seus quinhões antes de deixar algo para ser aqui dividido. Isso acontece porque quando o mundo pega fogo lá fora, a bomba da pobreza estoura por aqui — e em outras nações ditas subdesenvolvidas.[4]

Os capítulos que se seguem procuram responder a essa inquietante questão. Uma boa e esperançosa leitura!


[2] Ribeiro, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.107.

[3] De Mais, Domenico. O Futuro Chegou – modelos de vida para uma sociedade desorientada. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014, p. 618.

[4] O termo “país subdesenvolvido” está em desuso, atualmente se utiliza a nomenclatura “país em desenvolvimento”, o que não passa, convenhamos, de mero eufemismo.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

As elites contra uma Nação — Apresentação, parte 1

Brasil, o país do futuro

É lugar comum dizer que o Brasil é um país que ainda não deu certo. É também conhecida a profecia de Stefan Sweig que diz que “O Brasil é o país do futuro”[1]. A imagem que disso se formou é perigosa. Ora, se o Brasil é o país do futuro, quando afinal ele será “o país do agora”?

O jogo que se propõe é exatamente o daquele dono de uma venda antiga que ostentava orgulhoso, na parede, um cartaz escrito em letras garrafais: “FIADO, SÓ AMANHÔ.

Preservação da Floresta Amazônica é tema central nas discussões climáticas globais.

Diante deste quadro, vemos pessoas afoitas por procurar uma nova vida em outro lugar, talvez Europa, Estados Unidos ou Oceania, como se essa fosse a solução. Simplesmente talentos estão desistindo de viver na potencial sexta economia do mundo, com riquezas minerais e ecológicas imensas, com um clima maravilhoso e com uma gente reconhecida no mundo inteiro como um “povo alegre” porque deixaram de acreditar no seu país. Um país que pode ter a chave do futuro em suas mãos —  o controle do clima através da Floresta Amazônica.

Estão decidindo deixa-lo porque se cansaram, perderam a fé no seu potencial. Isso porque foi-nos incutida uma imagem de que esse país “não deu certo e nem vai dar”. Isso porque se vende a imagem de que o nosso país está cada vez pior.

E o mais incrível é que querer sustentar opinião diversa a essa é “nadar contra a correnteza”. Sim, é até perigoso sustentar a opinião de que sim, esse país pode dar certo. A ideologia aqui dominante desde sempre vem afirmando e reafirmando o mantra de que o Brasil não pode dar certo.

É verdade que a realidade por vezes assusta. A violência urbana afugenta. Ver-se diante do “jeitinho brasileiro”, envergonha e a postura de nossas autoridades desanima.

Tomamos, ao longo de nossa história — especialmente na política — decisões equivocadas. Os capítulos que se seguem demonstram isso. Mas os equívocos de políticos não podem nos conduzir ao eterno fracasso, nem as contingências globais podem nos privar de desfrutar de nossas riquezas, naturais e culturais.

O povo brasileiro não pode ficar parado nesta mentira que paralisa, condena e diminui.

A violência é o fruto podre de nossa histórica má distribuição de rendas e o jeitinho brasileiro deixará de existir no momento em que tivermos confiança no Estado e em nossas instituições. Por outro lado, nossos políticos terão de trabalhar em prol do povo conforme a democracia se cristaliza por aqui — e ela tem se cristalizado!

Um pequeno reino cria um gigante americano.

Somos conhecidos como um povo multicultural.

Mas também existiram decisões acertadas. Não fosse isso, não seríamos o que hoje somos. Nossa unidade territorial foi preservada quando nos tornamos independentes. Nossa diversidade étnica e cultural é exemplo para um mundo que já se globalizou e que não estava preparado para isso e que agora padece.

Somos o único país das Américas que fala o português — esse fato significativo não é levado em consideração quando insistimos em falar de nossas mazelas. Portugal, nosso país colonizador, ou é tratado com deboche ou com rancor, mas conseguiu um feito glorioso por aqui.

Fomos colonizados por um pequeno país que possuía uma população que mal dava para gerar uma economia de escala em suas próprias terras. Mas esse pequeno reino conseguiu criar um gigante na América. Não nos desintegramos, como as ex-colônias espanholas.

Pelo contrário. Instalou-se aqui uma monarquia que transformou o Rio de Janeiro na única cidade fora da Europa a sediar uma corte europeia. Temos tesouros inestimáveis no Rio, mas não os valorizamos. Preferimos falar da violência que assombra o espectro da cidade.

O Rio de Janeiro foi a única cidade fora da Europa a ter abrigado um corte europeia.

Falta-nos a consciência de que o Brasil surgiu no momento em que a Europa participava, pela primeira vez, de um processo econômico que transformaria o mundo em uma economia global. Para muitos, será durante o processo da expansão ultramarina que surgirá a globalização. A ideia dominante era a da exploração.

Isso diz muito sobre a nossa condição. A economia passou a ser global no exato momento em que a América era descoberta pelos europeus. Não que antes não houvesse processos de influência internacional nos destinos de outros Estados. Acontece que é a partir do fenômeno do mercantilismo que o mundo, de fato, se integrou.

Depois veio a Revolução Industrial que, através de suas diferentes fases, se tornará mais e mais determinante do destino de povos espalhados por todo o planeta, transferindo riquezas para seus criadores e tornando a Inglaterra influente não só diante de seus domínios.

Acontece que, diferentemente das nações europeias, os países que surgiram na América não conheceram um processo de formação lento e gradual. Fomos colonizados e depois submetidos por uma ordem global que privilegiava a transferência de riquezas. Já nascemos sob essas condições.

Não havia por aqui uma elite intelectual e política capaz de pensar o estado como totalmente independente dos mandos que vinham do outro lado do Atlântico. Depois, nossas elites econômicas — formadas por pessoas que de lá vieram — acharam mais prático integrar-se a essa ordem para garantir seus quinhões econômicos e políticos. Fizeram isso através do comando estatal. Renderam-se antes da guerra. Repartiram as riquezas com a elite estrangeira, e não com o povo brasileiro.

Criou-se, assim, uma sociedade extremamente desigual porque nossas elites escolheram um atalho quando da construção deste país — e continuam a apostar nesses atalhos.

No momento em que mudamos nosso sistema político para uma República, as intenções eram as mais nobres possíveis — haviam personagens capacitados e sinceramente ocupados com o progresso de nosso povo. Por que falhamos? Ou melhor, no quê falhamos?

Devemos nos lembrar dos acontecimentos contemporâneos ao surgimento de nossa república, acontecimentos estes que passaram a sacudir o planeta com guerras gigantescas, das quais fomos também, de alguma maneira, vitimados — ainda que tenhamos aproveitado algumas oportunidades.

continua…


[1] Sweig, Stefan. Brasil, país do futuro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1941.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

Introdução à Política – Capítulo 11

PARA O BRASIL AVANÇAR –

O Brasil tem jeito!

Nosso país tem pouco mais de quinhentos anos desde o seu descobrimento. Mas completou duzentos anos de vida política independente apenas em 2022. Eu e você estamos construindo o Brasil, fazendo parte de um processo que se iniciou em 1500 e que continua através do tempo. Muitos colaboraram e já se foram. Este é o momento de nossa colaboração. Um dia, também iremos e pretendemos deixar um país melhor para os futuros brasileiros.

A origem dos problemas que assolam a política brasileira pode ser encontrada no período colonial. Minha proposta aqui não é a de diagnosticar problemas – eles já foram devidamente dissecados e entendidos. A ideia aqui é a de colaborar com o debate que tem por objetivo apresentar um caminho para o Brasil avançar.

Eis os problemas de nossa política – patrimonialismo e clientelismo são os principais.

Parto do princípio de que o problema do Brasil não é o seu povo, é a sua política. Muitos querem atribuir nosso problema de mau desenvolvimento econômico e social ao caráter do povo brasileiro. Esta é uma falácia que precisa ser denunciada e superada.

Para colaborar com esta afirmação, proponho a você o seguinte exercício de imaginação:

Compare um menino pobre, que muitas vezes sai de casa pela manhã para “se virar” pelas ruas, que não tem pai ou mãe que lhe garanta segurança, alimentação ou escola, com um menino de classe alta ou média. Em uma situação de necessidade, qual dos dois irá se sair melhor diante de um desafio que a vida naturalmente a todos impõe?

Enquanto o menino de rua irá até roubar para comer, isto é, quebrar as regras, o menino da classe média não precisará se arriscar porque sabe que seus pais logo vão lhe garantir as necessidades. Podemos, por isto, acusar o menino que não tem nenhum suporte de ser bandido?

Uma criança cuja família lhe dá o apoio necessário para desenvolver suas habilidades, seja em que área for é uma criança mais propensa a aceitar as regras porque sabe que essas regras, no fim, existem para lhe garantir direitos.

Por outro lado, uma criança que não tem seus direitos garantidos sabe que tem de quebrar regras, do contrário, estará prejudicado. No Brasil, e em vários países, as regras não foram pensadas para eles.

E o pior. Essa criança, no lugar de escutar elogios e incentivos, só escuta – inclusive de seus pais – que ele é um imprestável, um malandro, aproveitador, culpado pela situação que aquela casa se encontra. Quanta crueldade!

Sim, o brasileiro comum é esta criança que não encontra apoio do estado e cuja própria cultura lhe impõe a alcunha de malandro.

O outro menino pode ser o europeu ou o norte-americano – tem um estado que lhe garante segurança, e tem educação suficiente para saber reclamar seus direitos – aqueles que o estado lhe deve por pagar impostos. Assim, não precisa furar a fila porque sabe que se alguém pretender ser mais esperto do que ele, o Estado lhe restituirá o seu direito.

O brasileiro não tem essa sensação. Por este motivo habituou-se a furar a fila. Se ele não garantir por si o seu direito, não há Estado para o proteger. Depois vem um pensamento covarde e coloca a culpa disto no caráter do brasileiro – a raiz disto é mais profunda.

O brasileiro não é malandro, o brasileiro é um órfão de Estado.

* * *

Em uma linha rápida de raciocínio podemos dizer que quando o europeu aqui chegou veio para explorar. Verificando os diversos ciclos econômicos pelos quais o Brasil passou em seus primeiros momentos, observamos que todos eles serviram apenas para retirar riqueza daqui e transferi-la para a Europa ao mesmo tempo em que privilegiou, através da legislação, uma elite vinda daquele mesmo continente. Foi assim com o Ciclo da Cana de Açúcar, com o Ciclo do Ouro ou com o Ciclo do Café.

A riqueza aqui produzida sempre foi transferida para fora e colocada no bolso de alguns poucos privilegiados que, de uma maneira ou outra, produziram a legislação que aqui dentro vigorou, renegando direito ao povo mais pobre e sem educação. O Estado brasileiro sempre sonegou educação de verdade ao seu povo.

Outro ponto, decorrente disto é a negação do “ser” brasileiro. Isto é terrível. Afinal de contas, quando acusamos o brasileiro de ser malandro, colocamo-nos fora desta condição. Do contrário, estaríamos assumindo ser malandros.

Peço que, para prosseguir na leitura, você se responda à seguinte indagação. Qual é a sua descendência? Entre o final do século XIX e início do século XX, o Brasil recebeu milhões de imigrantes, entre eles portugueses, espanhóis, italianos, alemães, japoneses.

Perceba com que orgulho muitos se dizem ‘italianos’, ‘portugueses’ ou ‘espanhóis’ e, assim, renegam sua naturalidade de brasileiros – porque nascidos aqui! Os ‘japoneses’, inclusive, possuem até um nome específico para cada geração. Os imigrantes são os issei, depois vem os nissei, sansei, yonsei, gossei, shichissei. Quando vão se tornar, afinal, brasileiros?

Por favor, não estou os criticando, estou apenas demonstrando que quando pensamos no brasileiro como malandro, dificilmente nos assumimos como tal mas, se o brasileiro é malandro, de qual brasileiro estamos falando?

Quando o europeu aqui chegou os índios já haviam ocupado esta terra, dividido em diversas nações cujos limites territoriais eram totalmente diferente do formato de nosso Brasil atual.

Depois veio o europeu na condição de ‘homem civilizado’. Ao perceber que o índio era insuficiente para atender a suas demandas colonialistas, este homem civilizado escravizou pretos que trouxe à força da África, diferentemente do europeu ou do asiático que veio por opção.

Mais tarde, quando a escravidão – até por conveniência das potências europeias – se tornou um problema para a indústria que nascia na Inglaterra, decidiu-se, no lugar de oferecer uma oportunidade ao negro que aqui já se encontravam, chamar os europeus, que estavam em dificuldades por lá, para povoar o país.

Os imigrantes europeus encontraram condições de cultivar a terra e depois adquiri-la.

Quanto aos negros, agora na condição de libertos, foi apresentada a dureza das ruas – transformaram-se nos órfãos de Estado, junto com os índios, praticamente dizimados e reduzidos aos rincões das altas florestas, hoje também pleiteadas pelos mineradores e destruidores de mata nativa.

E ainda assim, de alguma maneira, esta gente toda se misturou. Fica a pergunta: de qual brasileiro estamos falando? O problema é o povo brasileiro, ou o problema é o Estado, regido por nossa política?

Porque, pensando bem, para o Estado é bem conveniente quando nos acusamos de malandro, não é?

Ora, se ‘eu brasileiro’ sou malandro. Se ‘eu brasileiro’ me aproveito de situações para tirar vantagem, como poderei, nessa condição, acusar meus governantes de não atenderem aos meus direitos?

E, por mais que esse ‘eu brasileiro’ malandro seja o outro – porque eu sou descendente de europeu ou asiático – no fundo eu também lá cometo meus deslizes, porque é impossível viver com um Estado deste sem cometer nenhum deslize.

Desta maneira, o brasileiro cala-se, aceita um Estado covarde que lhe nega direitos e lhe cobra muitos impostos, acusa seu compatriota de ser malandro e, bem no fundo acaba por admitir que também comete lá seus pecados.

E, no fundo, o brasileiro passa a por ser esse alguém não identificável – porque por aqui ou se é europeu ou se é negro ou se é índio – e identificado apenas pelo traço da malandragem, que é sempre maior no outro do que em mim.

É uma situação de total orfandade – órfão inclusive de identidade. Como trabalhar para o bem comum de uma sociedade assim? Não se confia em ninguém, do governo ao vizinho. O brasileiro precisa se encontrar e se assumir.

Por este motivo, tudo aquilo que se diz do caráter do povo brasileiro, deixo de lado. Penso que todas as mazelas que acompanham a personalidade do brasileiro têm origem no Estado que o brasileiro não tem. O brasileiro, repito, é um povo órfão de Estado.

Então, como mudar esta situação?  Como dar aos brasileiros um Estado que lhe garanta seus direitos?

Esta questão é importante porque somente assim nosso país irá avançar.

* * *

MATURIDADE INSTITUCIONAL

Um grande problema que temos atualmente é o de que nossas instituições não estão devidamente consolidadas.

A maturidade institucional funciona como uma amálgama que une os diversos atores sociais em um corpo organizado, que garante estabilidade e credibilidade a um ente chamado Estado. É com o tempo que este corpo se torna robusto.

O Brasil já teve diversas Constituições e isso apenas torna nosso sistema lasso. Passamos a duvidar, ainda que inconscientemente, da seriedade do Estado quando a cada abalo segue-se uma ruptura do sistema.

O Estado precisa ser reconhecido e respeitado. Um Estado que não se faz respeitar acaba por ser abusado por uma classe de pessoas que se acomodam no poder e dali comandam o direcionamento do mesmo. Nesse caso, o Estado nada mais é do que a institucionalização de privilégios de alguns em detrimento do abandono de muitos.

Vendo as coisas assim, infelizmente, temos sido um retumbante fracasso, precisamos superar esse problema.

Precisamos parar de procurar soluções fáceis – precisamos deixar o vício do imediatismo e também do messianismo, aliás, mal comum à toda a América Latina.

O desafio para fazer o Brasil avançar e tornar-se um país menos desigual passa pela tomada de consciência de que teremos de trabalhar a partir do que já temos como ativo institucional.

Fugir da tentação de fazer um novo reinício. Já possuímos uma boa base institucional que foi construída para oferecer um país melhor para as pessoas que nele vivem. Basta ver que nossa Constituição atende às demandas sociais do século XXI. Neste sentido, a palavra chave talvez seja aprimorar.

Ou seja, tirar do papel este Brasil desenvolvido, para tanto, basta fazer com que o que está escrito em nossa Carta Maior se tornar realidade.

Veja o preâmbulo do artigo 6º de nossa Constituição, que trata dos direitos sociais:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Neste artigo já temos toda uma Constituição!

Basta se ater a ele. Basta fazê-lo valer. O problema é que, para garantir isto a esta criança sem família ou a esse povo sem estado, é obrigatório conseguir fundos porque tudo isto custa dinheiro. É nesse ponto que a alcunha de malandro torna-se conveniente à elite que de fato se aproveita do Brasil.

Ora, ao se assumir como preguiçoso, reconhece-se que os recursos não são conseguidos porque o povo que deveria, em conjunto, consegui-los não quer trabalhar para isto, e justifica-se sonegar direitos. O Estado não oferece saúde ou educação de qualidade porque o seu povo é preguiçoso e malandro – esta é a pseudo explicação para o nosso fracasso. Mas isso é uma tremenda falácia. Mas isto é uma falácia: primeiro porque o brasileiro é uma gente trabalhadora e segundo porque paga muitos impostos. Mais uma vez, essa questão é bem profunda.

* * *

ESTADO EFICIENTE E REPUBLICANISMO

O que ocorre no Brasil é que grupos organizados garantem primeiro os seus direitos e sempre buscam mais – nunca cedem. Isso só será resolvido com uma reforma administrativa que retire parte dos privilégios de uma casta burocrática que se acostumou às benesses que o Estado lhes oferece. Todos sabemos disto, mas uma reforma que diminua as distorções se demora em acontecer.

E aqui reside outra distorção de interpretação – ao se falar desta casta burocrática não se quer aqui colocar o servidor público que labuta diariamente na tentativa de promover um estado melhor – esse também é vítima. Quer-se falar daquele que encontrou no Estado uma mãe que lhe perpetua os privilégios. Eles estão lá no alto, não atrás do balcão de atendimento nem nos escritórios da administração pública. Ao generalizar o termo “servidor público” como parasita se está, na verdade, apenas escondendo os verdadeiros privilegiados.

Também a questão tributária. É sabido que quem paga mais impostos no Brasil, proporcionalmente às suas rendas é quem ganha menos. Isso porque se tributa muito mais o consumo do que a renda.

Assim, uma pessoa assalariada gasta praticamente todo o seu salário no supermercado e no comércio em geral – está pagando imposto alto, embutido nas compras, a cada compra que faz.

Este é o chamado imposto regressivo – uma covardia que se comete contra a gente empobrecida deste país. O imposto progressivo, ao contrário, tributa mais a renda do que o consumo e, se implantado, atingiria os mais ricos. Quando isso vai acontecer?

Outro problema é a falta de espírito republicano, que desemboca no patrimonialismo já tão denunciado por nossos pensadores. A origem do termo República é res (coisa) publica. O problema é que nossa elite política entende que pode utilizar do público em benefício próprio.

Assim, se valem do Estado para enriquecer-se, seja contratando empresas amigas para realização de obras públicas, seja acomodando parentes em cargos públicos.

Isso aconteceu durante toda a nossa história, mas pode-se observar alguns progressos institucionais. Exemplo disto é a Lei das Licitações, de 1993 ou o combate que existe contra o nepotismo. Pequenos avanços. Passos dados que não devem retroceder.

Se a operação Lava Jato foi o ápice da esperança, o desfecho desta mesma operação acende um sinal amarelo. Podemos estar retrocedendo nesse passo tão precioso que foi dado.

Precisamos ter espírito republicano. Precisamos enxergar a coisa pública como se fôssemos os legítimos proprietários dela porque, ao fim e ao cabo, é isso que somos.

Somos os proprietários comuns das coisas coletivas – um grande condomínio. Nesse sentido, cuidar de uma praça, manter as ruas limpas e não depredar o patrimônio público são pequenos atos que no final significarão um ganho para toda a coletividade.

Se gastarmos menos dinheiro na manutenção de algum bem público, este dinheiro poderá ser utilizado em outra área. Se utilizado na educação, esse povo melhor educado irá depredar menos o seu próprio patrimônio coletivo e mais e mais recursos irão sobrar. Torna-se um ciclo positivo.

* * *

Pequenos grandes gestos em direção a um espírito republicano que sempre nos faltou.

Uma reforma administrativa que seja capaz de minorar privilégios sem negar reconhecimento àqueles que servem ao estado e, portanto, ao bem comum da sociedade.

Uma reforma tributária que passe a tributar um pouco mais de quem pode pagar mais, e menos daqueles cujo salário pouco dá para se manterem com dignidade.

Perenidade institucional. Precisamos nos agarrar à nossa Constituição e fazê-la valer.

Parar de nos auto depreciar. Não somos o melhor povo do mundo – esse povo não existe, mas tampouco somos o pior.

Enxergar o brasileiro como “malandro” nada mais faz do que tornar inviável nossa sociedade. Se quisermos ver nossa sociedade evoluir precisamos, primeiro, não medir esforços para fazer da educação o nosso grande objetivo, priorizar a educação é a chave.

Sobre tudo isto que disse, alguns passos já foram dados.

O Brasil tem jeito!

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

Introdução à Política – Capítulo 10 – Parte 2

CENTRALISMO X FEDERALISMO – o caráter belicoso da política brasileira – Parte 2 –

A derrocada da República Velha, portanto significou o recuo do federalismo ante um centralismo que iria tomar sua forma mais cruenta após 1937, quando Getúlio Vargas implantou o Estado Novo e reduziu a política brasileira a um regime personalístico e, por conseguinte, profundamente centralista.

A Revolução paulista de 1932 levou à Constituição de 1934, mas esta teve vida curta.

A Revolução Constitucionalista de 1932, que estourou em São Paulo foi uma tentativa de minimizar a alma centralista que Vargas estava dando ao seu governo. Uma nova Constituição teria a função de descentralizar o poder. Daí a Constituição de 1934, apesar de ter tido vida curta ser tida como muito moderna e avançada para a época. Daí o golpe de 1937.

Getúlio Vargas enviou interventores para ocuparem os cargos de governadores de Estado para que política de repressão fosse garantida. Foram dissolvidos os diversos órgãos do Legislativo, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, as Assembleias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. Não havia poder descentralizado neste momento.

Esta situação encontrará termo em 1945 quando Vargas é obrigado pelos militares a renunciar à presidência. Marcadas novas eleições presidenciais, vencerá mais uma vez um militar, General Eurico Gaspar Dutra.

Uma nova Constituição foi entregue à Nação, cujo objetivo era devolver as liberdades civis e políticas, tolhidas dos brasileiros durante a ditadura do Estado Novo. O sistema federativo estava, por esta Constituição, restabelecido.

Vargas vai se eleger pelo voto popular, todavia, em 1950. De volta ao poder, tenta impor novamente sua política populista e, por conseguinte, centralizadora. Mas o país era outro.

Por isso, vai se aproximar da esquerda e reforçar a imagem de “pai dos pobres” criando as condições para impor sua forma centralizadora de governar. Ao chamar João Goulart para ocupar o Ministério do Trabalho, atai a atenção da elite empresarial que se encontra preocupada com o avanço dos governos socialistas pelo mundo. Neste momento o planeta começa a sofrer a influência de EUA e URSS, no contexto da guerra-fria.

Suicídio de Vargas causou grande comoção no país.

Ao se matar, Getúlio Dornelles Vargas deixa em sua carta testamento uma declaração de que sucumbiu ante forças poderosas. Cita grupos econômicos e financeiros internacionais bem como grupos nacionais que seriam contra os direitos trabalhistas. “Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.”, diz na derradeira carta.

Mas, se olharmos com atenção para a história política brasileira, o embate se deu especialmente entre o centralismo e o federalismo.

Vargas queria o poder de volta todo em suas mãos. As forças poderosas a qual ele faz referência são as forças que não aceitariam isto mais uma vez. Não que elas estivessem preocupadas com o bem estar dos brasileiros – nunca estiveram. Estavam mais preocupadas em não tolerar que um governo forte e centralizado lhes isolasse as condições de decidir os destinos do Brasil.

Dez anos mais tarde, após os governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart e no qual as normas da carta de 1946 – federalistas, portanto, estavam vigentes – veio o golpe de 1964 que solapou o multipartidarismo e transformou nosso federalismo em mera formalidade.

Durante a ditadura era comum fazer campanha pelo voto nulo.

Os anos que se seguiram a 1964 foram marcados pela falta de diálogo político – exceto aqueles havidos entre e dentro do grupo de poder. Ainda assim, não se pode classificar o modelo de autoritário personalístico porque, a despeito de uma ditadura ter sido instalada, especialmente após 1969, o regime sempre se apresentou com um verniz  democrático, eis que o Congresso foi fechado em raras ocasiões para ajustar a política ao sistema e eleições – que, ao menos para os cargos do legislativo, e para prefeitos – com algumas exceções – sempre existiram. Foi, todavia, um período extremamente centralizador.

Após 1985 e, especialmente com o advento da Constituição de 1988 o Federalismo voltou com força, mas aos poucos a submissão dos Estados à União começou a reaparecer.

A Constituição previu que impostos, ainda que de competência da União, terão porcentagens de repasse obrigatória aos Estados, mas a regra não vale para contribuições.

Neste sentido, desde então a União tem priorizado a instituição de contribuições em detrimento de impostos, acumulando para si os recursos e tornando os estados dependentes financeiramente da União.

Desta maneira, cresceu a receita da União em detrimento da receita dos Estados e a estes foi repassada a responsabilidade por diversas demandas sociais, como saúde e educação, sem que estes tenham arrecadação suficiente para tal.

Obra do cientista político Sérgio Abranches disseca a patologia política sofrida pelo Brasil.

Força assim, uma dependência dos governadores ao presidente da república. Por outro lado, o presidencialismo de coalizão mantém o presidente preso à necessidade de negociar com os parlamentares para alcançar apoio necessário no parlamento para fazer  sua agenda andar.

Assistimos assim a algo diferente do que ocorria quando da instituição da política dos governadores. Por aquela, o governo central apoiava o governo estadual para este, através da capilaridade que possuía junto aos coronéis, fazer eleger deputados que enfim fossem de acordo com a agenda do governo.

Agora temos governadores com muita responsabilidade social mas sem a necessária contrapartida de recursos. Necessitam, assim, recorrer ao governo central para se financiar. Por outro lado, temos deputados e senadores – partidos políticos – que  negociam junto ao governo central cargos e vantagens em troca de apoio à agenda do governo.

Ambos os modelos são deletérios às necessidades da população. Sendo o presidencialismo o regime vigente em nossa atual República, ajustes e reformas se fazem necessárias a fim de libertar, governadores e o próprio presidente das amarras que lhes limitam a capacidade de governar para enfim alcançarmos uma urgente normalidade institucional.

Para atingir este objetivo, faz-se necessário rever nosso sistema de tributos, de distribuição e competência e também uma reforma política e administrativa, a fim de destravar a administração pública de servidores que não tem compromisso com suas funções – ainda que esta não seja a regra – e também para que nosso sistema de escolha de nossos representantes possa de fato nos representar pelo que somos – que partidos políticos sejam tantos quantos possam ser as diversas matizes políticas de uma sociedade, e não esta miríade de legendas acima de tudo clientelistas.

Um número menor de legendas partidárias significa maior compreensão do eleitorado sobre o que cada legenda representa. Também proporciona maior governabilidade para o Executivo. Só assim ele poderá negociar políticas, e não troca de cargos e vantagens.

* * *

E para além deste embate centralismo versus federalismo sempre existiu também na política brasileira o embate entre um presidencialismo forte ou um parlamento dominante: na verdade, este embate é o espelho daquele.

Desde nossa primeira constituição, o parlamento jamais foi uma força a se desconsiderar. Portanto, mesmo diante do poder moderador, pelo qual o Imperador podia destituir o parlamento nos casos ali previstos, o Parlamento nunca deixou de existir nem de exercer sua força sobre a política nacional, naquele momento representado pelos partidos Liberal e Conservador.

De se destacar que nos momentos em que o parlamento perdeu o seu protagonismo foi exatamente nos momentos em que a própria federação perdeu força diante do centralismo.

Por este raciocínio, temos que foram momentos ruins para o legislativo no Brasil tanto aquele do Estado Novo (1937-1945), quando as casas legislativas foram simplesmente fechadas no país e, depois no momento pós 1964 quando, a despeito de o parlamento estar em funcionamento, este se dava de maneira precária, funcionando como uma casa que tinha por missão conferir alguma tinta de democracia ao poder instituído pelo golpe militar.

Aliás, se nosso presidencialismo é tido como forte, nosso parlamento não fica atrás. Temos, portanto dois poderes fortes, além de um judiciário que vem ganhando protagonismo, inclusive político, à medida que a Constituição de 1988 se consolida e as regras ali impressas passam a fazer parte do arcabouço e da cultura politica do Brasil.

Também o Ministério Público, que a rigor não é poder constituído, tem ganhado força institucional e promovido ações que visam fiscalizar os demais poderes, com vistas aos interesses da população. Não é por outro motivo que um dos maiores campo de atuação do Ministério Público – MP tem se dado em relação aos direitos do consumidor, por exemplo.

* * *

É por isto que uma Constituição deve ser respeitada, mantida e só emendada quando extremamente necessário. É preciso que nossa classe política deixe de acreditar na possibilidade de vencer e de impor suas vontades alterando as regras do jogo.

É preciso entender que o ambiente político é o do convencimento. Propostas que melhor se ajustem a determinado período devem ser as adotadas. Somente assim atingiremos estabilidade institucional. A alternância no poder é necessária para trazer equilíbrio ao sistema. Faz-se necessário que valores se sobreponham sobre interesses particulares.

Cabe à população estar consciente disto: ter uma Constituição que, a despeito de ter seus defeitos traz uma gama de direitos aos cidadãos brasileiros que seria inconcebível é possuir uma garantia de que, no longo prazo, o país está caminhando no sentido do desenvolvimento humano.

O povo brasileiro precisa ficar atento diante de alguma proposta para uma “nova constituição”. Isto pode representar retrocesso e novas aventuras institucionais.

Muito melhor encarar as eventuais inconformidades do sistema – seja ele político, tributário, econômico – do que entregar um livro em branco nas mãos de políticos e das mesmas oligarquias que aí estão para redigir novas regras, certamente em conformidade com suas preferências de momento.

Não há outro motivo para querer apagar uma constituição senão o desejo de amoldar regras às velhas demandas que, por algum motivo, em alguma curva da história, lhes saiu do controle. Devemos estar atentos a isto.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

Introdução à Política – Capítulo 10

CENTRALISMO X FEDERALISMO – o caráter belicoso da política brasileira – Parte 1 –

Quando, enfim, Portugal decidiu colonizar as suas terras na América em 1532, optou-se por estruturar no Brasil no sistema de Capitanias Hereditárias. O sistema, que já havia sido testado com sucesso nas ilhas da Madeira e Açores foi o escolhido para que Portugal efetivamente tomasse posse destas terras.

Por este sistema, os donatários tinham uma boa autonomia sobre a administração do território. Ainda assim deviam obediência ao centro do poder monárquico, que se encontrava do outro lado do Atlântico, na longínqua Lisboa devendo, inclusive e especialmente transferir parte dos impostos arrecadados em sua Capitania para a Coroa.

Capitanias Hereditárias: aqui se inicia o confronto entre os poderes local e central que ainda atrapalha a política nacional.

Nasce aqui o primeiro conflito entre um poder central, que se localizava em Lisboa e o poder local dos donatários, espalhados pelo imenso Brasil. A distância autorizava uma autonomia maior do que a concedida.

Em 1549, com a intenção de trazer o poder central para mais próximo dos donatários, foi fundada uma capital para todo o território, em Salvador. Para fundá-la, foi enviado para o Brasil um primeiro governador-geral, Tomé de Souza.

Mas a capital tinha poucas condições de impor sua autoridade diante do imenso território que a colônia possuía. Por certo que os poderes locais acabavam por se sobrepor a um poder que se pretendesse centralizado, porém distante.

Em 1572 D. Sebastião, então rei de Portugal, divide a administração da colônia em dois governos gerais. O Governo do Norte teria sede em Salvador, e o Governo do Sul, com sede na cidade do Rio de Janeiro, administrava os territórios da capitania de Ilhéus para o Sul.

Entre 1580 e 1640 Portugal pertencerá à União Ibérica e estará sob o domínio espanhol. Em 1621 o território da América Portuguesa foi dividido por Filipe III, Rei de Espanha, em duas unidades administrativas autônomas: ao norte, o Estado do Maranhão – mais tarde, Estado do Maranhão e Grão-Pará, com capital em São Luís, e o Estado do Brasil ao sul, cuja capital era Salvador.

Em 1537 a capital do Estado do Maranhão e Grão-Pará é transferida para Belém. Na prática, o que ocorreu é que o norte do Brasil acabou ficando desconectado de Salvador e do Rio de Janeiro mesmo após a chegada da família Imperial, em 1808.

Em 1763 o Brasil passa novamente a contar com apenas uma capital, agora no Rio de janeiro. A cidade terá esta condição até 1960 quando é fundada a atual capital, Brasília.

Na realidade, o que vigia no Brasil no período colonial era um modelo político denominado Antigo Regime Católico que dava boa autonomia política ao município em detrimento a qualquer poder central.

E quando a coroa portuguesa se transladou para o Rio de Janeiro, o poder imperial teve de delegar força aos poderes locais, contentando-se em manter a unidade da colônia. Fazia isso dando prerrogativas, agora às câmaras municipais, que efetivamente exerciam o poder.

Isto explica o clima beligerante que se abateu sobre o Brasil durante o curto primeiro reinado, de D. Pedro I e especialmente durante o período das Regências (1831-1840). A Guerra dos Farrapos, ocorrida no Sul do país é exemplo dramático de um conflito que contrapôs a autonomia local ao poder central.

Não por acaso, as duas fases em que os historiadores costumam dividir o período das Regências – avanço liberal e regresso conservador – são, no fundo, resultado das disputas que visavam o federalismo e o centralismo, respectivamente.

Os ‘barões do café’ ditavam os rumos da política no alvorecer da República.

Já no segundo reinado (1840-1889) a principal rusga havida entre os partidos Conservador e Liberal se dava em torno também do centralismo e do federalismo. Os conservadores queriam um poder central forte estabelecido na capital do país que dali ditasse o destino de todo o Brasil enquanto os Liberais se arvoravam em defesa do federalismo, pretendendo maior autonomia às províncias.

No alvorecer da República, o poder local estava consolidado e era exercido pelas oligarquias que agora haviam se organizado em partidos estaduais. Os mais promissores e poderosos eram os partidos republicanos, surgidos no período final da monarquia, descontentes com os rumores do fim da escravidão que se fazia prever. De fato, a escravidão foi extinta em 1888 e logo no ano seguinte o Brasil trocava o regime monárquico pela República, em 1889.

Desta maneira, até o surgimento da República e a despeito de ter existido uma monarquia que avocava para si o Poder Moderador, o poder de fato esteve sempre atrelado ao regional, exercido pelas câmaras dos municípios com seus reflexos no parlamento nacional através da Câmara dos Deputados. Este poder se tornou ainda mais evidente quando o país adotou o regime republicano.

Acontece que, a despeito de nossa República ter surgido de um golpe militar promovido pelo exército, que fez os seus dois primeiros presidentes, ao tentar centralizar o poder em suas mãos eles mesmos acabaram sendo derrotados pela irresistível força das oligarquias agrárias, especialmente a cafeeira, que assume o poder com Prudente de Morais, em 1894.

O embate entre o poder local e o poder central, isto é, entre o centralismo e o federalismo tomou proporções preocupantes neste momento de república nascente.

Durante o governo de Floriano Peixoto (1891-1894) o país assistiu à segunda Revolta da Armada e a um gravíssimo conflito ocorrido, mais uma vez no sul do país. A Revolução Federalista foi um embate regional que teve como pano de fundo a questão da federação em detrimento da União. As oligarquias pediam maior autonomia às províncias.

Sentindo-se prejudicadas pelo fim da escravidão sem qualquer indenização, estes ex-senhores de escravos buscavam consolidar seu poderio local, através do sistema federalista.

E foi isto o que aconteceu com a chegada de Prudente de Morais à presidência do Brasil. As elites agrárias assumiram o comando da Nação e o caminho estava aberto para a consolidação do poder local sobre o poder nacional.

Foi neste contexto que a importância política dos chamados coronéis se firmou. A base da vida política brasileira, neste momento, continuava sendo os municípios.

Clássico de Victor Nunes Leal retrata momento político brasileiro dominado pelo sistema do ‘Coronelismo’

O poder local irá consolidar suas bases, enfim, com a Política dos Governadores, implantada pelo presidente Campos Sales, a partir de 1908. O sistema representava o ápice de um modelo que mantinha o governo federal atrelado ao poder local dos coronéis através de uma rede de garantia de votos aos deputados que estivessem ao lado dos interesses do governo central no parlamento.

Acontece que os interesses do governo central eram os mesmos interesses dos coronéis que estavam na ponta do sistema: o Brasil construiu um Estado que estava a serviço do café, ou melhor, dos cafeicultores ou, visto de maneira mais ampla, dos produtores rurais.

Com a Política dos Governadores, Campos Sales conseguiu mitigar o problema de relacionamento que antes acontecia entre o governo central e as oligarquias estaduais.

Charge retrata a polítca do café-com-leite imposta por MG e SP.

Para completar o esquema, a presidência da república acabou sendo ocupada sempre por representantes dos dois estados mais ricos e com sociedades mais complexas – São Paulo e Minas Gerais.

Nesses locais, o poder local ficou nas mãos de grupos que se organizaram em partidos políticos e não nas mãos de algumas famílias oligárquicas, como acontecia em estados menos desenvolvidos. Eram os poderosos Partidos Republicanos – Paulista  o Mineiro quem davam as cartas da política nacional.

Assim foi a primeira fase de nosso período republicano. Entre 1894 e 1930 apenas dois presidentes não foram paulista ou mineiro – Hermes da Fonseca era gaúcho e Epitácio Pessoa, paraibano.

O auge do domínio oligárquico se deu, todavia, entre 1894 e 1909.

Durante o período dos governos de Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena as oligarquias assumiram o poder, tanto federal como estadual e o exerceram praticamente sem uma oposição que tivesse força de contrapor-lhes os interesses.

Afonso Pena morreu no final de seu governo, em 1909. Nilo Peçanha, seu vice, assumiu o cargo para terminar o mandato. Foi durante seu curto mandato que a política do café com leite começou a sentir seus primeiros abalos.

A próxima eleição será a primeira digna do nome. Houvera um desentendimento entre as elites de Minas e de São Paulo, de tal modo que Minas apoiou o candidato Hermes da Fonseca, um militar ligado ao presidente do Senado, o gaúcho Pinheiro Machado. São Paulo ofereceu o que chamou de campanha civilista, tendo como candidato o então senador Rui Barbosa.

O eleitorado urbano votou majoritariamente com Rui Barbosa, esperançosos por reformas modernizantes. Mas os currais eleitorais que ainda funcionavam nos rincões do interior foram fortes o suficiente para eleger Hermes da Fonseca.

Depois, e apesar disto, Minas e São Paulo voltaram a se entender, percebendo as vantagens de se manter o sistema.

Todavia, através de Hermes da Fonseca, os militares haviam alcançado novamente a presidência. Pinheiro Machado, percebendo que os militares pretendiam se assenhorar do poder, criou o Partido Republicano Conservador, com a intensão de a um só tempo apoiar o governo, mas manter os militares afastados das grandes decisões.

O governo central estava apoiando ataques a algumas oligarquias estaduais que não lhe eram fieis. Fazia isso através da política das salvações, que nada mais era do que depor à força um governo estadual instituído para substituir por um que lhe fosse aliado. Isto ocorreu em Pernambuco, na Bahia, no Ceará e nas Alagoas. Vê-se aqui, mais uma vez, o confronto entre o poder central e o local.

Tamanha era força política do político gaúcho que foi criado um movimento conhecido por ‘pinheirismo’.

Pinheiro Machado, tendo a maioria do partido no Congresso conseguiu afastar os chefes militares que defendiam a política das salvações, restabelecendo seus aliados em Alagoas e no Ceará.

Foi ainda durante o governo do militar Hermes da Fonseca que ocorreu a Revolta da Chibata devido aos maus tratos dispensados aos marinheiros brasileiros. Esta revolta, todavia, apenas expunha e refletia as contradições sociais existentes na sociedade brasileira. Um país que se modernizava, mas sem permitir que isto refletisse na sociedade.

Novas e modernas estruturas estavam sendo introduzidas no país, como na Marinha que adquirira equipamentos modernos de guerra e na indústria nacional, que avançava, mas que negava os frutos disto, tanto aos marinheiros quanto aos cidadãos comuns, que permaneciam presos às velhas estruturas sociais.

Venceslau Brás precisou enfrentar a Guerra do Contestado, que se desenrolava no Sul. Além do mais, seu governo coincidiu com o início e o fim da Primeira Guerra Mundial.  Pinheiro Machado fora assassinado em 1915, desaparecendo com a dualidade que até então havia se estabelecido entre o governo e o pinheirismo, um movimento político que se desenvolveu em torno das ideias do político gaúcho, ardoroso defensor do republicanismo.

O declínio das oligarquias, com o aumento das oposições a ela, todavia, se fez sentir mais fortemente a partir do governo de Epitácio Pessoa.

O movimento dos ‘dezoito do forte’, apesar de fracassado, foi o primeiro ato do Tenentismo, que depois ganhará força e vai ajudar a derrubar o sistema.

Após o fim da Primeira grande guerra toma forma um movimento de revoltas promovidas por jovens oficiais do exército e de baixa patente que ficou conhecido como tenentismo.

Ao perceberem que poderiam interferir nos rumos da política nacional, o tenentismo passou a pressionar o governo para que este realizasse uma série de reformas políticas e sociais.

Auxiliou assim a oposição que se articulava contra a velha oligarquia agrária já que agora a sociedade havia se modernizado e outros atores políticos haviam entrado em cena, como uma burguesia industrial e comercial, um proletariado e uma vigorosa classe média, especialmente nos núcleos urbanos.

Dessa maneira, os governos de Epitácio Pessoa, Artur Bernardes e Washington Luís nada mais fizeram do que assistir à longa e conturbada derrocada de um sistema que já não se sustentava. O centralismo estava retornando ao comando da política nacional.

Até 1930, o que se assiste na política brasileira é o domínio desta elite, que acabou por se centralizar em São Paulo e Minas Gerais, naquilo que passou para a história como a política do café com leite.

Este sistema sofre golpe fatal quando da quebra da bolsa de Nova York, que fez com que as exportações do produto despencarem. As soluções apresentadas pelos cafeicultores para proteger os seus interesses acabou por assanhar as demais elites agrárias que se reuniram ao Exército para derrubar a ordem.

A percepção era a de que as eleições não passavam de mera formalidade para reconduzir ao governo outro representante daquela mesma elite cafeeira que estava no poder desde 1894. Assim, tornava-se legítimo derrubar o governo.

São Paulo irá quebrar a sequência da política do café com leite ao apresentar um candidato quando a vez era de Minas Gerais.

Minas então se une à Paraíba e ao Rio Grande do Sul para criar a Aliança Liberal. Estes estados estavam, em verdade, decretando o fim da república velha e prontos para entregar o poder a Getúlio Vargas, um exímio centralizador.

O candidato paulista Júlio Prestes venceu as eleições mas o posterior assassinato do vice do candidato Getúlio, João Pessoa, na cidade do Recife, desencadeou aquilo que veio a se tornar o golpe de 1930. A República Velha estava morta.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

Introdução à Política – Capítulo 9 – Parte 2

CONSTITUIÇÃO E INSTITUIÇÕES – a economia e a busca pela cidadania. – PARTE 2 –

Terminamos a última vez dizendo que a situação econômica do Brasil só começaria a se normalizar em 1993, com o advento do Plano Real.

Antes disto, todavia, foi necessário implementar toda uma mudança institucional para proporcionar a estabilidade que uma moeda precisava para atender às necessidades de uma Nação.

Os frustrados planos econômicos que tentaram domar a inflação inercial estabelecida no país conduziam a economia, ao fim e ao cabo, ao descalabro.

Em fevereiro de 1987 o Brasil teve de decretar moratória técnica por falta de condições de honrar com seus compromissos junto aos bancos credores. Depois vieram as aventuras dos planos econômicos: Plano Cruzado em 1986, Plano Bresser em 1987, Plano Verão em 1989.

O brasileiro enfrentou desabastecimento de produtos e uma completa falta de horizonte em relação ao valor de seu salário frente ao aumento dos produtos que consumia. E a maneira de tentar se proteger do processo inflacionário era através de aplicações financeiras, como o overnight, inacessíveis à população mais carente.

Collor assustou o povo ao bloquear dinheiro em banco.

Em 1990 o recém-eleito Fernando Collor de Melo implantou um novo plano econômico que propôs um choque de maneira a diminuir a circulação de dinheiro.  Para isto, confiscou poupança, aplicações e dinheiro em conta corrente acima de determinado valor. A economia foi abruptamente desorganizada.

Além disso, durante este governo aconteceu uma maior abertura da economia para importações e parte da indústria nacional não sobreviveu por falta de capacidade de competição com empresas estrangeiras.

O país sentiu a necessidade de diminuir o tamanho do Estado, desestatizando empresas que cuidavam da telefonia, por exemplo. Houve um segundo Plano Collor, também fracassado, o que derrubou a popularidade do presidente, abrindo o flanco para um processo de impeachment, já que denúncias de corrupção no governo afloravam de toda parte.

Após a queda de Collor, Itamar Franco, seu vice, assume o governo com o objetivo de tranquilizar o ambiente político. Após se acomodar, irá chama o sociólogo Fernando Henrique Cardoso para assumir o Ministério da Fazenda.

O “Real” – uma nova moeda era apresentada ao Brasil.

O novo ministro compôs um quadro de idealizadores para nova tentativa de estabilizar a moeda nacional. O Plano Real foi desenhado com a colaboração de, entre outros economistas: André Lara Resende, Pedro Malan, Pérsio Arida, e Gustavo Franco, nomes importantes e centrais na confecção do plano de estabilidade monetária do Brasil.

Outro desafio era normalizar as relações do país com a comunidade financeira internacional porque o Brasil havia declarado moratória em 1987 que o colocou de fora deste ambiente. Em 1993 o Brasil faz sua adesão ao plano Brady, que simplesmente reconhecia que a dívida dos países não poderia ser paga, e oferecia descontos. Ao aderir, o país se comprometeu a promover reformas liberais em seu mercado. Com isso, o Brasil conseguiu suspende sua moratória.

Mas o cidadão brasileiro, como povo teve grande participação no processo de sucesso do plano Real, único dos planos econômicos do período que não foi imposto autoritariamente, mas com transparência.

Em pouco tempo os preços estavam indexados à URV, um indexador que foi criado para ancorar o período de transição das moedas. Quando houve a mudança, a sociedade estava adaptada ao processo e os temores de que a complexidade das contas que teriam de ser feitas para a conversão dos preços iria complicar o processo, atrapalhando-o, não ocorreu. Os preços já estavam todos convertidos para o Real.

Agora, o Brasil era uma economia razoavelmente aberta e com a dívida externa negociada. A falta de produtos devido ao aumento da demanda podia ser contornada com segurança, através de importação. A queda da inflação proporcionou redução de desigualdade e aumento da classe média brasileira.

Por outro lado, muitos bancos, acostumados às benesses da inflação, quebraram. O PROER – Programa de estímulo à reestruturação e ao fortalecimento do sistema financeiro nacional – surgiu para salvar o sistema financeiro porque, do contrário, a própria economia estaria comprometida.

Nasceu aí um sistema financeiro forte no Brasil. Também os bancos estaduais funcionavam mal porque eles emprestavam mal os seus recursos e depois mandavam a conta para a União. O Banco Central assumiu estes déficits e liquidou estes bancos. O que se buscava era equilíbrio fiscal e durante o governo de Fernando Henrique Cardoso isto será alcançado com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Portanto, o grande progresso institucional brasileiro que se iniciou com a Constituição Federal de 1988 tornou-se mais vigorosa e vai se consolidar durante a década de 1990.

Foi previsto, na Constituição um Orçamento da União único, um Plano Plurianual de Investimento e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, conjunto este que veio a dar maior modernidade nas suas finanças públicas.

Depois de implantadas todas estas instituições o país passou a contar com uma estrutura legal que pudesse lhe dar condições de promover seriedade na economia e consequente melhor distribuição de riquezas entre os cidadãos. 

Por outro lado, cortes em políticas sociais eram exigências do FMI, encaminhando a economia para o neoliberalismo econômico. As privatizações se aceleraram também em consonância com a cartilha neoliberal.

Crises internacionais rondavam a estabilidade da economia brasileira: em 1997 – Crise dos países asiáticos, em 1998 a Crise da Rússia. Em 1999 houve a crise dos balanços de pagamento no Brasil, momento em que se adotou por aqui o chamado câmbio flutuante.

O Brasil adotou um tripé macroeconômico composto por responsabilidade fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante da moeda.

Mesmo com toda esta cartilha neoliberal, alguns programas sociais surgiram, como Bolsa Escola e Bolsa Alimentação, diminuindo de certa forma as diferenças sociais. A partir do início dos anos 2000 a desigualdade começou a diminuir. Criança na escola significa melhor e mais produtivos trabalhadores no futuro.

Lula mantém a política econômica adotada por FHC.

Em 2002 Luiz Inácio Lula da Silva vence as eleições e, a despeito de toda desconfiança gerada por sua proposta política, totalmente contra o alinhamento brasileiro a políticas neoliberais, promove um governo em consonância com o caminho que Brasil havia traçado para si e que estava funcionando.

A economia internacional crescia impulsionada pelo crescimento da China. As commodities produzidas pelo Brasil encontravam-se valorizados no exterior, o que impulsionou o crescimento da economia brasileira. Houve condições de expansão, portanto, dos programas sociais, especialmente o Bolsa Família, marca social do governo Lula. Houve crescimento real do salário mínimo. Em dado momento, o Brasil se tornou a sexta maior economia do Mundo.

Apesar de ter enfrentado acusações referentes ao caso do Mensalão, um suposto esquema de compra de votos no Congresso Nacional pelo Executivo a fim de ver suas propostas serem aprovadas pelo Legislativo, em 2006 Lula foi reeleito.

Em 2008 estourou a crise da bolha imobiliária nos EUA. O sistema financeiro internacional entrou em colapso. Mais uma vez um problema econômico mundial iria abalar a estabilidade nacional. Mas desta vez o efeito não foi imediato. O país teve condições de enfrentar a falta de capital do exterior com as próprias reservas que o Brasil havia acumulado durante o período de bonança.

O segundo governo Lula, todavia, mudou de orientação na política econômica, tendência que se consolidou durante a gestão de Dilma Rousseff, sua sucessora.

O Estado passa a intervir na economia, abandonando gradualmente os mecanismos de estabilização, o tripé macroeconômico que mantinha o gasto público sobre controle, isto é: a responsabilidade fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante da moeda.

Algumas das empresas alçadas à condição de “campeãs nacionais”.

O governo começa a aumentar os gastos. Um estado intervencionista começa a aflorar, privilegiando alguns setores econômicos em detrimento de outros. O BNDES foi utilizado como incentivador de alguns setores e grupos escolhidos como campeões nacionais de produtividade.

Há, neste momento, transferência de renda do Tesouro para determinados grupos e setores, que passam a contar com capital mais barato do que o próprio Tesouro se financiava. Ou seja, toda a seriedade até então adotada foi posta abaixo.

O PIB parou de crescer no ritmo que vinha crescendo, a inflação começou a reaparecer e o nível de endividamento das famílias passa a se tornar insustentável devido ao forte oferecimento de crédito. Os juros subiram para conter a inflação.

O governo Dilma se revelou mais interventor que os de Lula – corta taxa de energia e passa a intervir no preço dos combustíveis. O Estado passa a controlar a economia, intervindo nos mercados. Dilma também tenta fomentar a economia com o lançamento de programa de obras públicas que visava acelerar o crescimento da economia.

O aumento dos gastos públicos é maquiado com a chamada contabilidade criativa, que visava fazer crer que as metas fiscais estavam sendo cumpridas. Investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento, por esta ótica, não eram tidos como gastos públicos. O governo enfrentou assim uma crise de confiança, a transparência, que deveria progredir, estava regredindo.

Em junho de 2013 a sociedade brasileira entrou em erupção

Em junho de 2013, o país entrou em erupção – eram as jornadas de junho, uma série de protestos populares que se espalharam rapidamente pelo país e que não possuíam uma causa específica, tampouco uma direção organizada com a qual o governo pudesse negociar.

Aquela nova classe média que havia surgido durante o período de crescimento deu o grito nas ruas, pois não aceitava perder o que havia conquistado. Uma série crise econômica se instalou no país.

Para tentar salvar a economia, no segundo mandato Dilma procura rever algumas posturas e passa a se alinhar novamente com medidas neoliberais, tudo o que o seu partido, o PT não aceitava.

O impeachment de Dilma é visto por muitos como um “golpe parlamentar”.

Desta maneira, Dilma deixa de contar com a simpatia dos seus próprios partidários. De outro lado, o descontentamento popular se acirra. A presidente se vê sem o apoio do Congresso, sem apoio popular e sem apoio de seu próprio partido.

Problemas econômicos internos, mesmo que surgidos por condições internacionais mais uma vez irão derrubar um presidente da república e reinstalar a instabilidade, tanto econômica quanto política.

Com Michel Temer, vice que assumiu após a queda de Rousseff, o esforço foi para se implantar as reformas necessárias – como a previdenciária, trabalhista, tributária, administrativa, política. Avançou, todavia, apenas na trabalhista.

A onda que se formou em 2018 estava voltada contra a política tradicional e elegeu Jair Bolsonaro como presidente da república, que soube oferecer um discurso eficiente nesse sentido. De caráter belicoso o presidente que se elegeu prometendo trabalhar contra o que chamava de “velha política”, acabou por entregar seu governo à uma Câmara dos Deputados que não se envergonhou de criar uma aberração chamada de “orçamento secreto”.

De qualquer maneira, durante o governo Bolsonaro mais alguns importantes avanços ocorreram. A autonomia do Banco Central em relação à política de juros bem como à escolha do presidente desta instituição é uma conquista basilar.

Bolsonaro também teve de governar durante a pandemia da Covid-19 que ceifou milhões de vida pelo mundo. Cometeu muitos erros e mostrou-se insensível à dor da população. Preocupou-se unicamente com a questão econômica imaginando ser ela o único balizador do sucesso de um governo. Questionou nosso sistema eleitoral e desafiou o Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões. Também andou na contra-mão do mundo no que diz respeito à política ambiental.

Paramos por aqui.

* * *

O país segue o seu caminho.

A economia é, de fato, a régua que mede o humor da sociedade brasileira, mas nã a única. Nosso problema é que desde o início de nossa história optou-se por privilégios imediatos em detrimento de projetos mais elaborados.

Para se avançar socialmente o país necessita melhorar a produtividade e somente uma boa educação pode nos ajudar a superar esta deficiência social que tem jogado o país neste limbo de subdesenvolvimento.

Faz-se necessário oferecer uma educação de qualidade à população para que ela possa melhor se qualificar e efetivamente decidir o que é melhor para a sua vida.

O signficado profundo das palavras “Ordem e Progresso”, insculpidas em nossa bandeira como princípios maiores de nossa Nação passam exatamente por isso:

Ordem, aqui entendida como a existência de instituições fortes o suficiente para enfrentar as turbulências inerentes à existência humana, e Progresso, entendido como o oferecimento do melhor que o Estado constituído pode oferecer aos seus cidadãos.

FORMAÇÃO POLÍTICA, Introdução à Política

Introdução à Política – Capítulo 9

CONSTITUIÇÃO E INSTITUIÇÕES – a economia e a busca pela cidadania. – PARTE 1 –

O Brasil é um país que reluta em promover as mudanças sociais de que necessita para se desenvolver. O caso da abolição da escravidão é exemplo típico e dramático. Se o fim escravidão foi enfim decretada em 1888, a maneira como o processo foi conduzido deixou cicatrizes sociais profundas.

 A República nasceu na sequência e em decorrência deste fato. Surgida em 1889, faltou com a obrigação de acolher os recém-libertos. O movimento republicano foi cooptado pelos poderosos barões do café assim que estes se sentiram traídos pela monarquia.

Desta maneira, todas as ambições dos genuínos republicanos se viram comprometidas com os interesses de uma elite agrária que se preocupou antes com si do que com a construção de uma sociedade mais igualitária.

Mesmo assim, houve alguma tentativa de se implantar um sistema melhor. Entre erros e acertos, a República promoveu uma reforma institucional profunda: extinguiu o poder Moderador e promoveu uma política de industrialização bastante forte, conduzida pelo Ministro Rui Barbosa, na tentativa de isolar as antigas elites imperiais em prol de uma nascente burguesia industrial.

Mas o processo de industrialização foi sequestrado pela crise do encilhamento, que foi uma bolha financeira que se formou devido ao oferecimento de papeis negociáveis da nascente indústria nacional sem que houvesse um controle efetivo sobre a emissão dos mesmos. Ao final, o processo se mostrou inviável – os papéis não tinham nenhum valor.

Este fato frustra com o projeto de uma República digna do nome. A república se apresenta assim, autoritária e a desigualdade entre as classes sociais se acentua. Optou-se por negar um projeto de educação para a sua população, especialmente no que diz respeito aos filhos dos antigos escravos.

Deodoro da Fonseca, nosso primeiro Presidente era militar.

Por outro lado, para conseguir derrubar a monarquia, os fazendeiros contaram com o apoio dos militares. Então, de início o poder republicano ficou as mãos do Exército, que implantou um sistema autoritário. Somente em 1894 os fazendeiros vão, enfim, assumir de verdade o comando do país. Agora serão os barões do café quem finalmente, conduzirão o Estado, livres do monarca e também dos militares.

Desta maneira, aquele Brasil que havia abandonado a mão de obra escrava, optou pela formação de uma mão de obra paupérrima, evitando investir em uma classe média digna do nome. Escolheu a ignorância do povo em detrimento de lhe oferecer educação. Preferiu colher os frutos logo, sem os preparar para o amadurecimento. Fundamo-nos como República baseados em uma sociedade imatura.

Os imigrantes, recém-chegados, por outro lado, vieram a dar mais dinamismo à sociedade brasileira, gerando assim uma pequena classe média e ajudando a modernizar as cidades. Mesmo com o conservadorismo dos cafeicultores, a indústria começou a se desenvolver. A primeira Guerra Mundial acontecida entre 1914 e 1918 permitiu à indústria nacional grande desenvolvimento porque a importação foi comprometida e a indústria nacional pode oferecer seus produtos internamente.

O movimento do Tenentismo desafiou o poder oligarca.

Na década de 1920, a questão militar reaparece através de um movimento que passou para a história com o nome de Tenentismo. Oficiais de baixa patente passam a questionar os rumos da política e o poder das oligarquias rurais. Em outro campo de atuação, apresentando demandas dos trabalhadores, a Coluna Prestes também pedia reformas políticas e sociais.

Já havia se passado um século desde a independência do Brasil e o país ainda não havia conseguido se organizar no sentido de fortalecer suas instituições diante dos humores da economia.

Em 1929 a queda da bolsa de Nova York atinge fortemente a indústria do café no Brasil. A exportação do produto estancou, os preços do produto declinaram e a atividade agrícola colapsou. Excesso de produção e preços baixos. A elite cafeeira forçou o governo brasileiro a comprar o estoque que não foi comercializado. Nesse momento, o Estado adquiriu e queimou algo em torno de 40 milhões de sacas de café, assumindo assim o prejuízo dos cafeicultores.

A oligarquia do café, apesar disto, estava com seu poder político comprometido. A velha política do café com leite estava esgotada. Com a crise de 1929 o poder político vai novamente mudar de mãos.

Vargas se une aos militares para derrubar o governo em 1930.

Em 1930 há o golpe de estado que colocou Getúlio Vargas na Presidência. Este sentiu a oportunidade de fazer uma industrialização que visava substituir produtos até então importados. A economia se dinamizou, mas a democracia perdeu força. Não só no Brasil, pois havia naquele momento em todo o mundo o surgimento de governos nacionalistas e com tendências autoritárias, como a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini.

O estado brasileiro, neste momento deixa de ser um estado oligárquico para se tornar um estado nacionalista e desenvolvimentista.

Em 1937 Getúlio Vargas implanta o Estado Novo, interrompendo um ciclo democrático que, bem ou mal, vinha existindo desde o advento da República. Dois anos depois estoura a Segunda Guerra Mundial.

O populismo de Vargas foi auxiliado por um forte aparato institucional que promovia ganhos para o trabalhador, culminando na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Os sindicatos foram criados para servirem de ligação entre o governo e os trabalhadores, pois eram controlados pelo governo numa relação de clientelismo, já que os sindicatos dependiam do governo para se financiarem.

Em 1945 termina a grande guerra e se inicia a Guerra Fria. Capitalistas e socialistas agora entrarão em um embate global e o Brasil teria de se posicionar neste cenário, encabeçado por EUA e URSS. Durante esse período muita coisa mudou no Brasil. Getúlio Vargas se suicidou em 1954 e em 1956, Juscelino Kubitschek assume a presidência com propostas modernizantes. Pretendia fazer um Brasil grande e moderno.

Atraiu a indústria automobilística e criou o espaço para o surgimento das grandes empresas de construção civil. Mas a preocupação de fortalecer as instituições não esteve entre as maiores metas do governo apesar de o país ter vivido ali seus anos dourados.

A hiperinflação que surgirá décadas depois tem, todavia, aí suas mais importantes origens. Jânio Quadros se preocupou mais com questões de costume do que resolver os problemas econômicos do país. A guerra fria produzia efeitos dentro do país.

Em 1959 ocorre a revolução cubana, que abre os olhos dos EUA e da elite brasileira para o perigo soviético sobre a América Latina e sobre o Brasil.

Em 1964 os militares vão novamente tomar o poder político do país.

Após Jânio Quadros renunciar, João Goulart, seu vice, depois de superar vários obstáculos colocados no seu caminho para assumir de fato a presidência, conseguirá finalmente governar como presidente, mas será deposto pelo golpe de 1964, sob o argumento de que estaria conduzindo o Brasil para o lado comunista da história.

Agora as instituições políticas do país serão duramente atingidas. Os militares depuseram o presidente, cassaram mandato de deputados para tomar efetivamente o poder.

Combater o comunismo, a inflação, acabar com a corrupção dos governos civis – foi com este discurso que os militares convenceram grande parte dos cidadãos brasileiros a desistirem da democracia, recuperada em 1945, e jogarem fora o poder de nossas instituições políticas.

Assim o brasileiro passaria seus próximos vinte e um anos, debaixo de uma inexistente ordem democrática e sem instituições que lhe pudessem assegurar seus direitos. Entretanto, a estabilidade econômica será conseguida.

A falta de democracia acabou por permitir a implantação de reformas que, enfim, mostraram bons resultados. Era o milagre econômico brasileiro. Todavia, o preço do imediatismo viria mais tarde.

Por outro lado, as liberdades civis declinavam. Entre 1930 e 1980 o Brasil foi o país que mais cresceu economicamente no mundo – mas, educação e distribuição de renda foram postas de lado.

A ditadura, portanto, promoveu desenvolvimento econômico sem desenvolvimento social. O problema da má distribuição de renda e consequentemente, da desigualdade social está intimamente relacionado à falta de força de nossas instituições políticas.

Problemas acontecidos fora de nossas fronteiras mais uma vez derrubaram nossa economia e o reflexo disto foi novas instabilidades políticas internas, dado a fragilidade de nossas instituições.

A crise do petróleo em outubro de 1973 criou sérios problemas para a economia brasileira. Sendo altamente dependente do petróleo importado, o abrupto aumento dos preços do produto acabou por fragilizar as bases da economia nacional, prejudicando enormemente o seu balanço de pagamentos. O Brasil optou por se endividar para honrar com seus compromissos.

Na verdade, esse foi o único caminho possível para os países que necessitavam do petróleo importado – se endividar. Já os países produtores de petróleo enviavam dinheiro para os bancos e estes bancos emprestavam este dinheiro para os países em dificuldade.

O Brasil necessitava dos recursos e, portanto, aumentou grandemente o seu endividamento externo, optando por viabilizar investimentos interno, com nova industrialização e grandes obras públicas, na esperança de manter sua economia ativa.

Desta maneira o Brasil atravessou com certo sucesso a primeira crise do petróleo. Porém, em 1979 aconteceu a segunda crise do petróleo.

Agora, o país estava endividado e o petróleo aumentou o seu preço de maneira surpreendente. Nos Estados Unidos, a inflação alcançou incríveis 12% ao ano, o que fez com que aquele país aumentasse os juros de algo em torno de 2% para perto de 20% ao ano, afetando diretamente os países que deviam para os bancos americanos, entre eles, o Brasil. Desta maneira, nosso país entrou em profunda recessão e, fato curioso, desta feita a crise econômica preparou o terreno para o retorno da democracia.

Portanto, quando os militares entregaram o poder aos civis, entregaram um país em meio à crise da dívida externa e com uma inflação que dava sinais claros de total descontrole. Ou seja, quando perceberam que não poderiam mais administrar, simplesmente devolveram o poder aos civis e junto com o poder o destino de milhões de brasileiros.

Durante todo este período que analisamos o Brasil teve cinco Constituições. A que fundou a República, de 1891, depois a de 1934 que foi uma exigência da Revolução de 1932, a de 1937 que permitiu a Vargas implantar o Estado Novo, a de 1946 que redemocratizou o país e enfim a Constituição militar de 1967, que teve por objetivo dar suporte jurídico ao Golpe de 1964.

Por isso, nossas instituições não conseguem alcançar maturidade suficiente para finalmente vencer nossa crônica instabilidade política, que surge em momentos de crise econômica.

Continuaremos no próximo capítulo.